quinta-feira, 31 de março de 2011

O CAPACETE


Precisei levar a moto para uma lavagem. Quando retornei a pé para casa, trazia o capacete na mão esquerda. No trajeto, um cidadão completamente estranho, ao passar por mim disse “só o capacete... e a moto?” Respondi que havia levado-a para lavar. O cidadão continuou sua caminhada e eu me pus a refletir sobre o acontecido. O que teria levado aquele homem a me questionar sobre os meus pertences, pois nunca o havia visto?
Na maioria das vezes não percebemos que estamos sendo observados. Aliás, esta é a principal arma dos assaltantes. Mas a minha reflexão caminhou noutra direção: quando vivemos dentro de um grupo social, seja condomínio, igreja, escola, universidade, etc. nossa maneira de ser é observada pelas outras pessoas. Esse é uma maneira, através da qual, deixamos manifesta a nossa ética.
No cenário onde desenvolvemos nosso viver não há espaços para “representações”: o que somos aparece clara e limpidamente. Caso nossa postura seja de desonestidade, não há como demonstrar outra coisa; se nosso procedimento é desleal, de alguma maneira isto irá transparecer ainda que seja nas particularidades do dia-a-dia.
Como já disse o P. António Vieira (1608-1697), no sermão da quarta-feira de cinzas, de 1672: “E todos são o que são, e cada um é o que é, por que diz Deus não só como atributo, senão como essência própria da sua Divindade: Ego sum quis sum: Eu sou o que sou?” [1] (referência Êxodo 3.14 quando Deus se revela a Moisés).  Dessa forma, não há como fugir daquilo que somos de fato e o conjunto de nosso-ser-para-os-outros fala sobre a nossa verdade onde não há lugar para qualquer falsidade.
Pois é, fiquei pensando naquela expressão: “só o capacete... e a moto?”
“E disse Deus a Moisés: EU SOU O QUE SOU. Disse mais: Assim dirás aos filhos de Israel: EU SOU me enviou a vós.” (Ex 3.14)



[1] PÉCORA, Alcir. António Vieira: sermões. Hedra: São Paulo, 2001, p. 57.


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