CONVERSAR OU FICAR CALADO?
ANO 01 – Nº 257
Essa é uma situação que nunca sei muito bem como enfrentar. Aguardamos calados na fila. Abre-se a porta e ambos entramos. Ninguém se conhece, mas os dez andares de viagem constrangem quem está ali encerrado. Não há como fugir, nem como apressar. Olho para as teclas. Confiro se o número do meu andar está aceso. Tudo certo! A viagem prossegue edifício acima mergulhado no silêncio de quem não se conhece, mas se reconhece como ser humano.
A mente trabalha rápido. Posso falar sobre o calor. Prefiro aguardar, quem sabe o outro passageiro fala alguma coisa. Mencionar algum time de futebol é arriscado. Por aqui esse mundo se divide em dois enormes paredões intransponíveis. Quem sabe puxo um assunto sobre o próximo final de semana, dizem que vai fazer calor, bom para praia. Não sei não, acho melhor procurar outro assunto. Já sei, vou mencionar a queda do Berlusconi. Fico em dúvida. Melhor não. Olho para cima, dou um suspiro. O elevador recém está passando pelo quinto andar, parece que não termina nunca. O outro passageiro se vira e olha-se no espelho. Procura alguma irregularidade no nó da gravata. Tenho uma inspiração: vou falar sobre a exigência da apresentação pessoal para se trabalhar em algumas profissões, como advogados, por exemplo. Reflito melhor e desisto. Agora sim, vou falar sobre os modernos sistemas de elevadores completamente climatizados, uma conforto em dias abafados de verão. Abro a boca, mas o companheiro de viagem se vira e disfarço num bocejo forçado. Oitavo, nono, décimo. Percebo que vamos descer no mesmo andar e faço um gesto dando a preferência. Ele agradece e sai. Eu também me dirijo ao consultório. Quando a secretária anuncia a minha hora de consulta sou recebido pelo companheiro de viagem do elevador.
Somos passageiros de uma mesma vida, mas não conseguimos dialogar sobre nada. O receio de não ser bem interpretado bloqueia as melhores oportunidades de ser o que sempre somos: humanos. O abismo intransponível do percurso de dez andares é capaz de silenciar a mais sublime faculdade do ser humano, o diálogo. Mesmo estranhos sempre haverá múltiplas possibilidades e aproximação humana. Entretanto, o hermetismo social nos transforma em estátuas mudas incapazes de compartilhar a satisfação de existir. É a sociedade que nos embrutece ou somos nós, constituintes dessa sociedade que atropelamos o humano que em nós habita? Essa é uma questão que nunca sei muito bem como enfrentar.
DESTAQUE DO DIA
Nascimento de Espinoza (379 anos)
Bento de Espinoza ברוך שפינוזה |
Bento de Espinoza[1] (também Benedito Espinoza; em hebraico: ברוך שפינוזה, transl. Baruch Spinoza) nasceu a 24 de novembro de 1632 em Amsterdã e morreu a 21 de fevereiro de 1677 em Haia. Foi um dos grandes racionalistas do século XVII dentro da chamada Filosofia Moderna, juntamente com René Descartes e Gottfried Leibniz. Nasceu no seio de uma família judaica portuguesa e é considerado o fundador do criticismo bíblico moderno. A sua família fugiu da Inquisição de Portugal. Foi um profundo estudioso da Bíblia, do Talmude e de obras de judeus como Maimônides, Ben Gherson, Ibn Ezra, Hasdai Crescas, Ibn Gabirol, Moisés de Córdoba e outros. Também se dedicou ao estudo de Sócrates, Platão, Aristóteles, Demócrito, Epicuro, Lucrécio e também de Giordano Bruno. Ganhou fama pelas suas posições de panteísmo (Deus, natureza naturante) e do monismo neutro, e ainda devido ao fato da sua ética ter sido escrita sob a forma de postulado e definições, como se fosse um tratado de geometria.
[1] BENTO ESPINOZA (ilustração e texto). Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Baruch_de_Espinoza. Acesso em 22 nov 2011.
Pai, gostei muito deste texto. O que costumo fazer é inventar notícias e comentá-las com estranhos no elevador (vizinho não vale). Experimente um dia. É bem legal ouvir as pessoas falando sobre coisas que não aconteceram, pois como elas não sabem que são suposições, elas respondem com uma boa dose de sinceridade.
ResponderExcluirBjs
Meu caríssima Garin,
ResponderExcluirli tão logo entrou em circulação teu relato no ascensor. Achei-o tragicômico. Imagina se fazes um comentário acerca da gravata daquele que depois será teu facultativo (¿por que médico é facultativo). Prefiro chamar Spinoza, por quem tenho uma admiração intelectual, de Baruch (lembra como começa em hebraico a benção: Baruch Adonai!)
Com agradecimento por nos levar junto no elevador. Encantei-me,
attico chassot
http://mestrechassot.blogspot.com
www.professorchassot.pro.br