sábado, 28 de maio de 2011

O ANDARILHO

Ontem, enquanto tomava o meu chimarrão da madrugada ouvia o rádio, como sempre faço todos os dias. Enquanto um repórter fazia o registro que havia uma pessoa deitada sob um viaduto, de uma grande rodovia da região metropolitana de Porto Alegre, outro jornalista fez um comentário, que me chamou a atenção. Disse ele ao repórter: “seria interessante verificar se se trata de um andarilho ou de outro tipo de pessoa.”
Aqui não cabe censura ao comentarista, mas essa expressão me fez refletir. Como a sociedade classifica o andarilho? Caso fosse um andarilho não mereceria a atenção e o cuidado que se deve dispensar às demais pessoas? É possivel fazer uma distinção entre andarilho e “outro tipo de pessoa”? Onde deveria ser colocado o ser pessoa do andarilho? Deveriamos pergunta se o andarilho é um ser humano, como se pressupunha que seria o “outro tipo de pessoa”? Qual é a importância que a sociedade, representada por aquele comentarista, atribui ao humano daquele ser humano, denominado “andarilho”?
O impressionante é que facilmente nos acostumamos com “classificações” do ser humano. Assim, uns são andarilhos, outros são bêbados, outros ainda são bandidos e outros, drogados, etc. Dentro de todos essas classificações não há um ser humano, dotado de uma particularidade à qual denominamos “humano”? Quem seriam os humanos que deveriam ser tratados como “outro tipo de pessoa”? É como se fosse possível fazer uma distinção assim: esse é mais humano, e por isso merece uma atenção maior do repórter. Aquele, como é andarilho, deixa ali... tanto faz... ele é um andarilho mesmo! Será que alguém tem em sua carteira de identidade escrito “Andarilho”?
Além de outras tantas dúvidas que tenho, e ela são tantas, fico em dúvida se não estamos nos embrutecendo por causa dessa vida agitada, cheia de compromissos, repleta de notícias horríveis, plena de tragédias enormes, etc. O humano que “resiste” dentro de cada um(a) não estaria se esfacelando e quem sabe já não estamos cedendo, como diz aquela música, “que a dor não me seja indiferente”[1]!
E se fosse um andarilho, o reporter não deveria confirmar suas necessidades, suas dores, seus lamentos, e encaminhá-los, como faria se fosse “outro tipo de pessoa”?
Um bom sábado e boa reflexão!

[1] Eu só peço a deus, de Beth Carvalho.


5 comentários:

  1. Prezado professor

    Há muito tempo observo essas pessoas que vagueiam pelas ruas da nossa cidade. Fico pensando e tentando imaginar o que leva uma pessoa a estar nesta situação. E de repente percebo que são inúmeras possibilidades.
    Esses inúmeros “andarilhos” são pessoas que em algum momento perderam sua identidade e encontram-se à margem da sociedade, são invisíveis. As pessoas se acostumaram a vê-los desta forma. Infelizmente muitos sofrem de doenças que os afastam da realidade e por si só,jamais conseguirão sair desta situação e, permanecerão marginalizados em uma sociedade coisificada. Esses humanos se tornaram coisas aos olhos da sociedade, e o pior, coisas sem valores. E por mais que esta situação incomode alguns, a situação de impotência, acaba por engessar qualquer tipo de atitude e o que é pior, acaba engessando também o pensamento.

    Um abraço e bom fim de semana!
    Rosana

    ResponderExcluir
  2. Prezada Rosana,

    é impressionante quando a gente consegue parar e conversar com um andarilho. As histórias de vida que eles normalmente narram, têm muitos elementos dessa identidade que eles perderam. Mas por trás dessa aparência maltrapilha há uma pessoa com passado e com expectativas.

    Bom fim de semana!

    Garin

    ResponderExcluir
  3. Apreciado mestre da cotidianidade,
    Ouvimos os mesmos ‘formadores de opinião’ e também chamou-me a atenção o enquadramento proposto pelo repórter.
    Neste sábado, marcado pela minha luta pela não adição ao computador (facilitado por me ensinares a pré-postar as edições – fi-lo ontem as de sábado e domingo) troquei a leitura da madrugada pelo ocaso do sábado. Por tal tão tardia visitação ao teu sempre curtido texto;
    Um bom resto de sábado e um excelente domingo
    Attico chassot

    ResponderExcluir
  4. Prezado Chassot,

    quando o jornalista falou foi como se tivessem dado um tapa no meu ouvido. Acho que é o vício da Filosofia (ou da ética).

    Bom final de sábado!


    Garin

    ResponderExcluir
  5. Amigo,

    não fosse pela violência urbana... Eu já teria botado meus dois pés na estrada há muito tempo! Deve ser maravilhoso viver em constante movimento... mas com um mínimo de equilíbrio, né? Nada de cair no alcoolismo, por exemplo.

    Um abraço.

    ResponderExcluir