As ondas afagam-se, suspendem-me, levam-me para onde não quero ir. Mas logo me lanço a nado, com ritmo cadenciado e uniforme, e sinto que o mar vai cedendo às braçadas que projeto para diante.
É aí que decido enfrentar as ondas onde elas nascem. Obedecendo a um recuo e avanço incessantes, a massa informe ameaça levantar-se contra mim. Entre o recuo e o avanço, o mar levanta-se, forma uma crista indisciplinada que avança contra a praia, que não reage.
Eu, porém, quero vencer a onda, ludibriá-la, aproveitá-la para subir e olhar a terra desde a sua crista fugaz. Quero enfrentar a onda no seu momento mais ameaçador. Mergulho sob o tumulto espumoso de toneladas de água em revolta, e surjo do outro lado da onda cuja marcha implacável passou sobre mim como se nada fosse.
O mar e eu, agora, nos abraçamos num amplexo de amizade e concorrência. Sinto-me gratificado por ser livre e poder enganar a onda. Ela, no entanto faz-me sentir que minha liberdade tem um preço, e que preciso lutar, aproveitar o momento certo, imaginar uma estratégia, para poder gozar sua companhia sem que ela se torne perigosa.
Afinal, eu e o mar, somos amigos, mas sei que tenho que estar atento. O mar pode ser traiçoeiro e um dia poderei ser definitivamente traído, enquanto gozo esta amizade inquieta e desafiante.
Areias Brancas, fevereiro de 1976.[1]
Bispo Isac Aço
Meu estimado colega Garin,
ResponderExcluiruma vez mais evocações com um poema que mesmo já tendo mais de um terço de século poderia ser data como de hoje. Recordo a primeira vez que vi o mar. Nosso professor, que cultivava os gregos, fez nos gritar: “Tálata! Tálata! θάλασσα θάλασσα recordando o herói mitológico (penso que Ulisses) que (re)encontra o mar;
Obrigado pela viajada ao começo dos anos 50s.
attico chassot
Caro Chassot,
ResponderExcluiro mar é sempre desafiante pelas suas várias dimensões: pela beleza de suas águas e ondas, pela sua força indomável, pelos riscos que representa etc. Nessa crônica, percebo o autor tomando contato, quem sabe pela primeira vez, com uma dessas dimensões, a que mais nos desafia - sua força.
Obrigado pelo teu comentário e pela recordação da mitologia grega, precursora de nossa forma racional de pensamento.
Garin
Caro Garin,
ResponderExcluirLinda esta crônica. Eu não conhecia, embora lembre de quando tinha 6 anos e fui com meu pai para para o Mar de Areias Brancas. Para mim sim era um dos primeiros contatos com o mar, meu pai, ao contrário, tinha uma vivencia bem maior com o mar da África em sua infância. Talvez prudência e decisão sejam substantivos que traduzam a idéia de quem luta no mar da vida. Lembro-me de Galeano falando sobre o filho de um colono quando vê pela primeira vez o mar e que se agarra ao pai dizendo: "Pai, me ajuda a olhar!" Não há como absorver tudo, mas há que se ter determinação sobre que caminho tomar: Por cima da onda ou no meio dela?
Obrigado por esta lembrança!
Abraços!
Felipe Aço
Caro Felipe,
ResponderExcluiresta crônica diz muito do teu pai, pelo menos da visão de quem conviveu com ele na qualidade de Bispo e pastor da Igreja Metodista. O amor que ele tinha pela missão podia ser traduzido com uma palavra: garra.
Fico feliz por ter podido proporcionar essa lembrança para ti.
Um abraço,
Garin