quinta-feira, 16 de junho de 2011

A ESTRADA


Num tempo em que ainda não havia GPS[1] a gente passava trabalho para se movimentar em algumas regiões. As estradas, quase todas sem asfalto, possuíam poucas indicações. Certa vez, em viagem pelo interior do estado, tomei um caminho desconhecido e acabei me perdendo. Parei meu fusquinha diante de uma propriedade rural, com uma casinha muito simples. Fui atendido por alguém que julguei ser o proprietário.
Antes que lhe dirigisse a palavra ele me interpelou perguntando: anda meio perdido por essas bandas? Respondi: pois é! Para não perder tempo fui logo acrescentando: o senhor poderia me dizer para vai esta estrada? Na expectativa de ouvir uma resposta esclarecedora, explicando os locais por onde aquele caminho me levaria e os lugarejos por onde passaria andando por ela, me respondeu: pois é Seu, na verdade mesmo essa estrada não vai pra lugar nenhum! Desde que me conheço por gente ela está sempre aí e deu uma boa risada.
É claro que depois ele acrescentou as informações necessárias para eu reencontrar o caminho que procurava, mas a ‘peça’ que me aplicou cutucou o meu pensamento. Sempre achamos que as estradas vão daqui para acolá, de lá para muito mais longe. Pensamos a realidade como um movimento linear que parte de um ponto e necessariamente chega a outro. Todas as coisas possuem um ponto de partida e um ponto de chegada. Até mesmo quando nos cumprimentamos, uma das formas é perguntar ‘como vais?’ A maneira nossa de refletir pressupõe causa e consequência, como se tudo acontecesse como resultado de um movimento impulsionador de origem.
Contemporaneamente começamos a pensar a realidade de forma diferente. Não mais como uma estrada que vai ou que vem, mas de interação entre diferentes sistemas vivos, mais simples ou mais complexos. O agora não é causa do amanhã e nem o futuro é consequência do passado. Vivemos numa realidade interconectada na qual cada parte é causa e consequência ao mesmo tempo. Em cada um de nós subsiste o agora e o amanhã, a origem e o resultado, a história e a expectativa, a vida e a morte. Integramos um grande sistema que possui a dimensão da minha pessoa ao mesmo tempo em que contempla a amplitude do universo. Universo todo e eu nos originamos e nos consumimos num constante interagir cotidiano.
O agricultor tinha razão, a estrada não vai, nem vem: somos a estrada enquanto vamos e enquanto não vamos.
Uma boa quinta-feira para todos(as)!



[1] O sistema de posicionamento global, popularmente conhecido por GPS (acrónimo do original inglês Global Positioning System, ou do português "geo-posicionamento por satélite") é um sistema de navegação por satélite que fornece a um aparelho receptor móvel a posição do mesmo, assim como informação horária, sob todas quaisquer condições atmosféricas, a qualquer momento e em qualquer lugar na Terra, desde que o receptor se encontre no campo de visão de quatro satélites GPS” [Wikipédia].

2 comentários:

  1. Meu caro Garin,
    primeiro cumprimentos pela sofisticação da edição: áudio-vídeo-textual. Tudo isto num profundo filosofar acerca das estradas que não vão, mas nós que viemos e vamos. Como recordo o guri que se criou na beira da linha de trem, em estação Jacu[o, onde trens são tinha dois destinos: Cachoeira e Santa Maria. As passava o ‘Paulista’ mas sempre atrasado.
    Ainda um comentário: quando minha neta Maria Clara, ainda com quatro anos, entrou em nosso carro disse: “Mas vô, o carro de vocês não tem GPS!” Como se dissesse: “O caro não tem roda!”
    Obrigado por poder dar a largada nesta quinta-feira com teu filosofar

    attico chassot

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  2. Caro Chassot,

    o teu comentário aconteceu quase antes da postagem - alta madrugada! Quando andava com o fusquinha (vermelho vinho, ano 1968) era um luxo. O pior era quando a gente se perdia a cavalo e aí, dependendo da distância do engano, o prejuízo custava a viagem toda.

    Obrigado pelos cumprimentos.

    Um grande abraço.

    Garin

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