sexta-feira, 8 de julho de 2011

O PÃO

Sempre que meu pai e eu íamos à cidade de carroça, vender a lenha e comprar o rancho da quinzena, eu passava pela casa dos meus tios perguntando se havia alguma encomenda. A cidade ficava a mais de quinze quilômetros e uma viagem assim representava cerca de duas horas.
Religiosamente, um dos meus tios sempre encomendava: “Diz para o teu pai me comprar um pão d’água[1] de um quilo”. Quando entregava a encomenda, na volta, ele cortava algumas fatias e me oferecia uma. Saia correndo e pulando pelo meio do campo, como só um menino sabe fazer entre guabirobas[2] e barbas-de-bode[3]. Aquele pão possuía um sabor diferente, não apenas porque o gosto era outro (distinto do pão caseiro feito na roça), mas porque tinha o sabor da cidade. Para quem vivia no campo, a cidade era o lócus da novidade, das cores vivas, do movimento, de gente bem vestida, de carros etc. Meu tio também comia aquele pão como se estivesse saboreando a Eucaristia, pleno de simbolismos e de encantos das ‘bandas’ urbanas.
Atravessando a maior parte das culturas, o pão é simbólico em quase todos os lugares. Para a maioria da humanidade, pão é igual a alimento, nutrição, conspiração[4] etc. Ter o pão significa para o ser humano, ter sobrevivência. É símbolo de abundância, de colheitas fartas, de festas. O Evangelho, ao se referir a Jesus, fala de “Pão da Vida” no sentido de uma vida que se projeta para a infinitude.
Ainda trago na boca, um resto de gosto da fatia do pão d’água que meu tio encomendava.
Como é bom ter antigos gostos sentidos na boca da memória!

DESTAQUE DO DIA
Dia do Padeiro
Hoje, no Brasil, comemora-se o “Dia do padeiro”, esse profissional fundamental para o sustento da humanidade e que povoa a nossa lembrança com inúmeras imagens. Atualmente, a maior parte do trabalho de panificação é realizado industrialmente. Algumas décadas atrás, o padeiro era um profissional madrugador que corria a tempo de fazer, assar e entregar o pão quentinho à porta das casas das cidades e vilas. A despeito do sistema industrial contemporâneo, o padeiro continua a ser um personagem sempre lembrado na maioria das nossas refeições.
Nossa homenagem a todos os padeiros, os daqui e os de outras paragens!
Ilustração disponível em http://www.miniweb.com.br/cantinho/infantil/38/imagens/desenhos_2/profissoes/imprimir03.html


[1] Pão francês.
[2] Guabiroba = A gabiroba, guabiroba ou guavira é o fruto produzido pela gabirobeira, um arbusto silvestre que cresce nos campos e pastagens do cerrado brasileiro. [Wikipédia]
[3]O Capim-barba-de-bode (Cyperus compressus) é uma erva anual, da família das ciperáceas, de distribuição pantropical. Tal espécie vegeta em terrenos turfosos ou estéreis. Também é conhecida simplesmente pelo nome de barba-de-bode.” [Wikipédia]
[4] Respirar o mesmo ar.

2 comentários:

  1. Meu estimado colega de (con)vivências,
    realmente o pão de padaria era evento raro em minha infância e motivo de festa. Tínhamos um tio (tido por nós como rico) que quando nos visitava trazia um pão de padaria. Mas hoje tenho saudade dos páes e cucas e[de minha mãe, produzidos em duas fornadas semanais: quartas-feiras e sábados. Quantos aprendizados de fermentação enos rituais de ‘amassar’ o pão na véspera, à noite.
    Obrigado pela evocação nossa de cada dia

    attico chassot

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  2. Caro Chassot,

    na minha casa de infância, a mãe sempre fazia pão batido de milho. A farinha de trigo era racionada (preço),entrava na mistura só para a liga. Eram deliciosos. Agora perdi a receita, mas ainda vou tentar resgatar.

    Um abraço,

    Garin

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