sexta-feira, 24 de julho de 2020


AS PILHAS PRO RÁDIO DO TIO

Nº 520


Um dia desses fui visitar um tio idoso – põe idoso nisso!  Como diria um colega meu, “anoso”, pois tem muitos anos de vida. Ao pé da letra, uma criança com alguns dias de idade já pode ser considerada idosa – já tem “idade”!

Pois é, meu tio é dos antigos. Tem mais uma coisa, ele mora no interior. Não! Não é esse interior que estás pensando. É o interior do interior, e mais uns “interior” adiante.

Peguei um ônibus, andei por umas horas sacudindo entre solavancos, buracos, poeira e cheiros até que cheguei na parada final. Depois, arranjei um cavalo – ainda bem que já estava encilhado, e andei por mais um bom tempo. Depois..., depois foi mais um tanto de andança por meio de macegas, sangas e matos.

Cheguei!

Olho de cá, olho de lá... e nada. O rancho estava deserto. Portas abertas, janelas escancaradas e nada. Como um guri criado no campo, fui logo apelando para a campainha da roça: “oh de casa!”. Ninguém! Não me apertei: fui contornando o rancho em busca do chiqueiro... da horta... das estrebarias... Lá pelas tantas percebi um vulto meio arqueado... abaixado sobre um monte de lenhas. “TIO!”, gritei de longe. Levantou-se com dificuldade... espichou o olho e me respondeu: “Quem vem lá?”. “Sou eu, tio, o seu sobrinho da cidade!”. Meio cabreira, com passos trôpegos, foi se aproximando até que reconheceu: “Mas é tu mesmo!”.

Caminhamos para dentro do rancho. Ele me indicou uma banqueta feita de tábuas, printado de cinza, que ele mesmo construiu... a uns quarenta anos. Enquanto conversávamos, foi até o fogão, onde as brasas ainda estavam acesas, colocou uma chaleira com água para um chimarrão.

Meu tio nunca aprendeu a ler. Onde mora não tem luz elétrica. O único meio de comunicação de que dispõe é um velho rádio portátil, da marca Mitsubishi. De vez em quando, vou visitá-lo para levar pilhas para o seu radinho.

A certa altura da conversa meu tio falou: “Tão falando duma tal de pande... ah, não sei bem como é... uma doença que anda por aí, já ouviu falar?”. Respondi: “pandemia?”. “Isso mesmo, o que me diz dessa coisa toda?” Pois é tio, isso é sério... tá levando muita gente... tem que se cuidar!” Ele me olhou sério e me disse: “será que tu podia me comprar um remédio pra essa coisa? Um vizinho escreveu o nome aqui neste papel. É um remédio, que eu escutei no rádio, dizem que é a única coisa que resolve.” Ele me entregou um pedaço de papel, desses de embrulho de pão (de antigamente), no qual estava escrito: “Loquidaun”.