sábado, 30 de junho de 2012

O poder da tecnologia - ANO 02 – Nº 475


O PODER DA TECNOLOGIA

Conversava com um orientando cego sobre o seu projeto de pesquisa. Tinha sido aprovado pela banca de qualificação e necessitava de aperfeiçoamentos para ser encaminhado ao Comitê de Ética do IPA. A certa altura da nossa reunião surgiu a necessidade de alguns ajustes na formatação do texto, que em determinadas partes se apresentava desalinhado.

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De repente fui surpreendido por uma expressão dele, muito apropriada para a situação: “Professor, cego não foi feito para o Word!”. De imediato corrigi o que ele disse: “É o Word que não foi feito para cego!”. Ele reagiu com um sorriso disfarçado e eu fiquei pensando depois sobre a pertinência daquela observação do aluno.

A maior parte das tecnologias, especialmente as tecnologias de informação contemporâneas, não se destina às pessoas com deficiência. Esses avanços tecnológicos não miram a acessibilidade de pessoas com necessidades específicas. O seu objetivo é o lucro do qual são escravos, absolutamente dependentes. Paralelamente, alguém com uma estratégia mais inclusiva, desenvolve programas auxiliares que ajudam pessoas com deficiência a terem acesso às TIC.

Com uma percepção mais abrangente é possível concluir que as tecnologias produzidas pela civilização quase sempre alimentaram esse alvo mercantilista. Importa produzir em massa, para uma massa de consumidores que, por consequência redundará em ‘$uce$$o$’ para os seus construtores. Pessoas com necessidades especiais não representam uma massa de consumidores. De mais a mais, quando se constrói uma nova tecnologia não se pensa nas pessoas!

foto 2
Considerando a dificuldade, que as pessoas com mais idade assim como eu têm para interagir com as TIC é possível concluir que essas tecnologias não foram construídas para facilitar a vida das pessoas, mas para que as pessoas se adaptassem e servissem às tecnologias. Quem já não precisou esperar numa fila porque o ‘sistema’ estava fora do ar (off line).

Bom sábado de reflexão sobre as TIC!


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foto 1: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgRr7BHdyHKMfaSMH17dbJyuF8NurR827-bnkyyp7u6jiBZaJjzPUWFv5iuMtRvZM-Qrhcx9JvbwuXjT0o1gUEnIHhYij4ab_FgiwRlFHXA0XOG2-zPYbhAtLeBwLiMPzazb6lA6Rt3YVD1/s1600/Tic.jpg
foto 2: http://3.bp.blogspot.com/-24kwc8kenVY/T-7AccbfFaI/AAAAAAAABhM/f1__uj-CbOY/s1600/tic2.jpg

sexta-feira, 29 de junho de 2012

O café - ANO 02 – Nº 474


O CAFÉ

Quando se falava em café, durante a minha infância, isso significava uma caneca cheia de leite com um pouco de café, aquele para dar uma corzinha escura. Sabia que existia café preto porque olhava a mamãe passando num coador comprido, de pano, amarronzado pelo uso.

Havia três momentos especiais, um ainda de madrugada, antes das lides galponeiras[1]. Depois a gente tomava outro café por volta das dez horas, quando o corpo pedia uma paradinha nas tarefas da lavoura. O terceiro café era ao redor de quinze horas, depois da sesta. De qualquer maneira, a hora do café sempre era aguardada com muita expectativa, pois além do próprio, vinha acompanhado com pão de milho coberto com um ‘colchão’ de chimia[2] de abóbora ou de marmelo.

Amanhã vai acontecer um gostoso café, daquele de depois da sesta. Quem sabe, não será café com leite, mas terá um sabor especial porque será um debate em torno da Filosofia e da Ciência proposto por um dos Mestres mais competentes nessa área, o Prof. Dr. Attico Chassot[3]. Estou falando do “Café Filosófico” que acontece amanhã, dia 30/6, na Livraria Nova Roma, Rua Gen. Câmara, 394 (Rua da Ladeira), em Porto Alegre, às 15h. O tema, sem dúvida, é um dos mais contemporâneos que existe: “Que é Ciência, afinal?”.

É bom chegar cedo porque o local costuma lotar. A entrada é cara porque nesses tempos de voracidade de consumo, refletir é um bem raro e doloroso para mentes acostumadas a seguir o rumo das propagandas: custa apenas a vontade de debater e dialogar, aquela que não se conforma aos ‘conhecimentos encaixotados’ que nos vendem em cada esquina das redes sociais.

Votos de uma muito boa sexta-feira!


DESTAQUE DO DIA

Nascimento de Saint-Exupéry (112 anos)

Antoine-Jean-Baptiste-Marie-Roger Foscolombe de Saint-Exupéry nasceu em Lyon a 29 de junho de 1900 e desapareceu no Mar Mediterrâneo a 31 de julho de 1944. Foi um escritor, ilustrador e piloto, terceiro filho do conde Jean Saint-Exupéry e da condessa Marie Foscolombe.

As suas obras são caracterizadas por alguns elementos como a aviação e a guerra. Também escreveu artigos para várias revistas e jornais da França e outros países, sobre muitos assuntos, como a guerra civil espanhola e a ocupação alemã da França.

Destaca-se Le Petit Prince (O Pequeno Príncipe, no Brasil ou O Principezinho, em Portugal) de 1943, livro de grande sucesso de Saint-Exupéry.

Le Petit Prince pode parecer simples, porém apresenta personagens plenos de simbolismos: o rei, o contador, o geógrafo, a raposa, a rosa, o adulto solitário e a serpente, entre outros. O personagem principal vivia sozinho num planeta do tamanho de uma casa que tinha três vulcões, dois ativos e um extinto. Tinha também uma flor, uma formosa flor de grande beleza e igual orgulho. Foi o orgulho da rosa que arruinou a tranquilidade do mundo do pequeno príncipe e o levou a começar uma viagem que o trouxe finalmente à Terra, onde encontrou diversos personagens a partir dos quais conseguiu repensar o que é realmente importante na vida.

O romance mostra uma profunda mudança de valores, e sugere ao leitor quão equivocados podem ser os nossos julgamentos, e como eles podem nos levar à solidão. O livro nos leva à reflexão sobre a maneira de nos tornarmos adultos, entregues às preocupações diárias, e esquecidos da criança que fomos e somos.[4]


[1] Atividades realizadas nos galpões onde se ficavam as vacas, que envolvia além da ordenha, liberar os animais, retirar o esterco,  colocar mais trato para as vacas que voltariam só depois do pôr-do-sol.
[2] Doce, diferente da geleia; é um termo que deriva do alemao schimier, nesse idioma representado por um subproduto do leite.
[4] ANTOINE DE SAINT-EXUPERÝ. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Antoine_de_Saint-Exup%C3%A9ry. Acesso em 29 jun 2012.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Justiça/flexibilidade - ANO 02 – Nº 473


JUSTIÇA/FLEXIBILIDADE

Quando construo os planos de ensino busco ser o mais claro possível, especialmente no quesito avaliação dos alunos. Entendo que não há novidade nenhuma nisso, imagino que todo o mestre percorre essa mesma trajetória. É necessário que o aluno, que será avaliado pelo professor, saiba de antemão, qual o caminho que deverá percorrer para conquistar a aprovação. Além disso, no início do semestre, procuro debater com a classe esses critérios oferecendo a oportunidade de contestação e, em caso de necessidade, reformulo os critérios. Dessa forma, considero que percorro o caminho da justiça e da ética. Avaliar pessoas é a tarefa mais árdua e cruel que existe. Via de regra, o professor sofre mais que o aluno. O pior drama de consciência é ficar em dúvida se foi ou não justo nessa hora.

Nesse semestre aconteceu um incidente, que para mim foi a primeira vez. Percorrendo os caminhos estabelecidos no plano de ensino, no que se refere à avaliação, um aluno não conseguiu a nota suficiente para aprovação. Em uma atividade grupal, a produção ficou bem abaixo da média e, com isso, faltaram-lhe os pontos necessários. Os demais integrantes do grupo, por outras razões, foram todos aprovados. Quando parei para pensar na situação lembrei que, justamente esse aluno foi um dos que mais participou dos debates trazendo contribuições enriquecedoras para as aulas. Considero a turma, parceira no processo de construção do conhecimento e aprendizagem. Entretanto, pelo critério da justiça e da letra fria do mesmo, justamente aquele, um dos que mais contribuíram com as aulas, tinha sido prejudicado.

Minha reflexão conduziu ao que os gregos chamavam de χάρη, aquilo que vai além da justiça. É a parte que não é coberta pela justiça, mas que o outro se faz merecedor por aquilo que é. Difícil de mensurar, mas plenamente possível de compreender com o coração. É a hora da flexibilidade porque aprender sempre é possível.

Votos de ótima uma quinta-feira!
DESTAQUE DO DIA

Nascimento de Rousseau

Jean-Jacques Rousseau nasceu em Genebra a 28 de Junho de 1712 e morreu em Ermenonville a 2 de Julho de 1778. Foi um importante filósofo, teórico político, escritor e compositor autodidata suíço. É considerado um dos principais filósofos do iluminismo e um precursor do romantismo.

Não há dúvida de que Rousseau fez soprar um vento revolucionário sobre as ideias de amor e ódio: ele debate a sexualidade como uma experiência fundamental na vida do ser humano, a tomada de consciência da importância dos sentimentos de amor e ódio na construção da sociedade humana e no seu desenvolvimento pessoal, e enfim, essa abertura para o debate moderno sobre a divisão do amor entre amor conjugal e amor passional. Pode-se atribuir a Rousseau a tentativa de estabelecer, na sociedade do século XVIII, uma nova noção: a de que a personalidade do indivíduo, que concerne o tratamento que ele dá aos outros e a sua própria sexualidade, é formada na infância.[1]


[1] JEAN-JACQUES ROUSSEAU. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Jean-Jacques_Rousseau. Acesso em 28 jun 2012.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Sobre a hora - ANO 02 – Nº 472


SOBRE A HORA

Ontem fui até ao relojoeiro buscar o relógio que estava no conserto. Engraçado isso, não? Hoje a gente não conserta mais os relógios. No meu caso, tratava-se do pino da pulseira que havia caído. Antigamente, os relógios eram consertados de vez em vez. Eu mesmo, quando jovem, aprendi a profissão de relojoeiro com um colega pastor da Igreja Batista. A maioria dos relógios era movida à corda. Os mais chiques já eram automáticos. Tinham também os despertadores que necessitavam de lubrificação regular. Na verdade, todos os relógios recebiam lubrificação quando consertados e alguns paravam exatamente por falta de uma minigota de óleo.

Pois é, ontem ficou pronta a pulseira do meu relógio e aí fique pensando sobre essa nossa dependência deles. Especialmente quando dou aulas sinto falta, gosto de conferir quanto tempo ainda tenho para concluir os debates antes que o pessoal se “evapore” porta a fora. É compreensível que a gente se administre pelo horário – faz parte da organização do tempo.

Entretanto, domingo passado aconteceu algo que me chamou a atenção. Aparentemente foi um dia de preguiças e nada para fazer, mas a todo o momento consultava o relógio de parede. A certa altura minha esposa perguntou: a que horas é o teu compromisso? Quase zangado respondi que não tinha compromisso nenhum. Dei-me por conta que o hábito de consultar o relógio virou mania. Mesmo sem compromissos com hora marcada, fico sempre querendo saber que horas são. Saber para nada. Pelo simples vício de consultar o relógio a todo o momento.

Saí da sala e fui me refugiar nos meus botões. Uma porção de fantasmas veio me fazer companhia. Entre eles a dúvida sobre a minha sanidade mental. Juntou-se a essa, o avançar da idade! Será que o meu prazo de validade já se foi? Vou ter que parar por aqui porque preciso olhar que horas são!

Votos de uma quarta-feira de muitas realizações a tempo e a fora de tempo!
DESTAQUE DO DIA

Cirilo de Alexandria

Cirilo de Alexandria (c. 375-444) foi o Patriarca de Alexandria quando a cidade estava no topo de sua influência e poder dentro do Império Romano. Um dos Padres gregos, Cirilo escreveu extensivamente e foi o protagonista liderante nas controvérsias cristológicas do final do século IV e do século V. Foi uma figura central no Primeiro Concílio de Éfeso, em 431, que levou à deposição de Nestório da posição de Patriarca de Constantinopla. Cirilo é listado entre os Pais e os Doutores da Igreja, e sua reputação no mundo cristão resultou em seus títulos: Pilar da Fé e Selo de Todos os Pais. Entretanto, os bispos nestorianos no Concílio de Éfeso o declararam um herético, rotulando-o como um "monstro, nascido e criado para a destruição da Igreja".

A Igreja Ortodoxa e as igrejas orientais celebram seu dia em 9 de junho e, junto com o Atanásio de Alexandria, em 18 de janeiro. A Igreja Católica não o comemora no calendário tridentino; sua celebração foi adicionada apenas em 1882, sendo 9 de fevereiro o seu dia. Aqueles que usam calendários anteriores à revisão de 1969 ainda observam este dia, mas a revisão atribuiu ao santo o dia 27 de junho, considerado o dia da morte do santo. A mesma data foi escolhida para o calendário luterano. O Papa Pio XII, em 9 de abril de 1944, por ocasião do XV centenário da morte de São Cirilo, promulgou a encíclica Orientalis Ecclesiae.

Cirilo foi um arcebispo erudito e um escritor prolífico. Nos primeiros anos da sua vida ativa na Igreja, ele escreveu exegeses diversas. Entre elas estavam: Comentários sobre o Antigo Testamento, Thesaurus, discurso contra Arianos, Comentário do Evangelho de João, e os Diálogos sobre a Trindade. Em 429 as controvérsias cristológicas aumentaram sua produção de textos, de modo que seus adversários não conseguiram acompanhar. Seus escritos fazem frequentemente alusão às doutrinas dos demais Padres da Igreja.[1]


[1] CIRILO DE ALEXANDRIA. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Cirilo_de_Alexandria. Acesso em 27 jun 2012.

terça-feira, 26 de junho de 2012

O desaparecimento de Deus - ANO 02 – Nº 471


O DESAPARECIMENTO DE DEUS

Às vezes me surpreende como rendem as leituras de esteira[1]. Ontem, por exemplo, percebi que já estou chegando quase ao final de um livro de mais de trezentas páginas, lido exclusivamente enquanto faço meus exercícios matinais. Reconheço que nem todos têm essa facilidade: é música alta, gente conversando, outros contando piada e rindo, há quem provoque barulho com os ferros quando termina sua série e por aí afora. Entro para dentro do livro e vou percorrendo cada linha saltitando de palavra em palavra. Quando me dou conta a esteira já está denunciando quarenta e cinco minutos, uma hora...

Ontem, uma parte chamou minha atenção de maneira especial. Falava sobre a forma como Deus, que aparece na Bíblia como senhor todo poderoso, criador de todas as coisas, vai desaparecendo gradativamente até sumir completamente:

Aí aos poucos, Ele vai desaparecendo e, no Novo
Testamento, desaparece por completo e manda o
filho em forma humana – não é nem um anjo, é uma
forma humana; uma coisa meio complicada você ter um
Deus homem – e depois, puf, acabou. Some. E aí reaparece
como uma internalização (não sei se esse é o termo
teologicamente correto, mas é como vejo a coisa),
quer dizer, Ele deixa de ser uma presença explícita
– está lá o arbusto queimando ou o filho de Deus –
para uma entidade que existe dentro das pessoas.[2]

A forma como o ser humano entende as manifestações divinas se modificam na mesma proporção em que o contexto social se altera. Em diferentes etapas da história a forma como lidamos com o sagrado muda porque mudam as necessidades. Em meio à guerra sentia-se a necessidade de que fizesse o sol parar para que os guerreiros tivessem mais tempo para realizar sua tarefa de vingar-se dos inimigos[3]. Noutra época foi entendido como um pastor que acalmava e consolava o povo preparando para um novo período de harmonia[4].

Chega o momento em que a percepção de uma divindade assombrosa e de poder desaparecesse completamente para emergir na forma de uma energia que nascia de dentro para fora em manifestações desordenadas, revelando as entranhas de uma gente emocionada[5].

Quando conseguimos perceber essa multiforma de apresentação do sagrado compreendemos um pouco mais as ansiedades do ser humano em sua busca pela sua própria identidade.

Votos de uma terça-feira de reflexões sobre si mesmo!
DESTAQUE DO DIA

Morte de Stirner (156 anos)

Max Stirner, pseudônimo de Johann Kaspar Schmidt, nasceu em Bayreuth a 25 de outubro de 1806 e morreu em Berlim a 26 de junho de 1856. Foi um escritor e filósofo alemão, com trabalhos centrados no existencialismo, niilismo e no Anarquismo individualista.

Egoísmo: somente quando as pretensas à falsa autoridade de tais conceitos e instituições são revelados é que a verdadeira ação, poder e identidade dos indivíduos podem emergir. A realização pessoal de cada indivíduo se encontra no desejo de cada um em satisfazer seu egoísmo, seja por instinto, sem saber, sem vontade - ou conscientemente, plenamente a par de seus próprios interesses. A única diferença entre os dois egoístas é que o primeiro estará possesso por uma ideia vazia, ou um espanto, na esperança de que sua ideia o torne feliz, já o segundo, pelo contrário, será capaz de escolher livremente os meios de seu egoísmo e perceber-se enquanto fazendo tal.

Somente quando o indivíduo percebe que lei, direito, moralidade, religião, etc., são nada mais que conceitos artificiais e não autoridades sagradas a serem obedecidas é que poderá agir livremente.

Argumenta-se que o egoísta de Stirner exerceu enorme influência no homem para além do homem de Nietzsche. O pensamento de Nietzsche às vezes lembra tanto o de Stirner, que Eduard von Hartmann o chamou de plagiador.[6]


[1] Leituras realizadas enquanto se faz caminhada sobre a esteira elétrica.
[2] BETTO, Frei; GLESER, Marcelo; FALCÃO, Waldemar. Conversas sobre fé e ciênca. Rio de Janeiro: Agir, 2011, p. 278.
[3] Js 10.12-15.
[4] Is 40.1-3.
[5] At 2.1-13.
[6] MAX STIRNER. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Max_Stirner. Acesso em 26 jun 2012.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Ortotanásia - ANO 02 – Nº 470


ORTOTANÁSIA

Sexta-feira da semana passada participei, com meus colegas, da reunião de docentes do Stricto Sensu do IPA que acertou a distribuição das disciplinas para o próximo semestre. Vou assumir duas em companhia dos meus colegas, nos Mestrados. A primeira é História e Filosofia da Ciência juntamente com o Prof. Dr. Attico Chassot, disciplina que já ministramos conjuntamente em 2011/1. A segunda será Bioética conjuntamente com os colegas Prof. Dr. Edgar Timm e Clemildo Anacleto da Silva que compartilhamos em 2011/2. As disciplinas dos Mestrados do IPA são todas compartilhadas com mais de um docente buscando sempre a interdisciplinaridade na sua oferta.

Pensando sobre Bioética lembrei que hoje se encerra o prazo para a Comissão de Juristas analisar o projeto de lei sobre o novo Código Penal. Um dos pontos significativos dessa Proposta é o que trata sobre a morte digna, muito pouco discutida pela sociedade. Aliás, só nos reportamos à eutanásia quando a mídia de massa retoma esse assunto ou quando enfrentamos esse tipo de problema em nossa própria família.

Nesse sentido, Rodrigo Róger Saldanha trouxe uma reflexão sobre o assunto no portal Consultor Jurídico, no último dia 18 do corrente, que compartilho aqui:


DIGNIDADE HUMANA
Pela legalização da eutanásia passiva no Código Penal[1]

Por Rodrigo Róger Saldanha

Buscando proteger a dignidade no momento da morte, diante dos procedimentos médicos que podem interromper ou prolongar a vida humana de forma artificial, é preciso encontrar o ponto de equilíbrio doutrinário e jurídico, diante do sofrimento nas últimas horas de vida, com a aplicação da legislação vigente.

Assim, carece de uma atenção especial aos princípios fundamentais, destacando a importância do princípio da dignidade humana no decorrer da vida, inclusive no momento da morte.

No mesmo tocante, quanto aos direito fundamentais, o direito à vida é essencial para a existência e efetivação dos demais princípios e direitos fundamentais, mesmo parecendo contraditório falar de vida ao pleitear uma morte digna, porém, é mister apresentar a necessidade da dignidade na morte daqueles que, por exemplo, por motivos de doença, encontram-se num estado degradante.

Os principais procedimentos de interrupção da vida são a eutanásia, a ortotanásia e a distanásia, de forma que o tema é polêmico, visto que transcende o conceito jurídico e legal, pois também acende discussões na esfera religiosa, moral e ética, apenas no campo do senso comum.

Verifica-se que o respeito à dignidade humana constitui princípio fundamental do Estado e precisa ser efetivado em todas as relações sociais. A importância do princípio da dignidade humana está na sua inerência à pessoa humana e o direito à vida.

Hodiernamente, é preponderante salientar que o princípio da dignidade humana deve ser assegurado até no momento da morte, pois a ciência utiliza cada vez mais da tecnologia para tentar prevenir ou tentar reverter a morte, portanto, se faz necessário compreender que a utilização da ciência deve ser limitada quando contrariar os princípios e direitos fundamentais.

No que diz respeito à eutanásia, para a professora Drª Gisele Mendes de Carvalho: “No restante do mundo, inclusive no Brasil, essas práticas são passíveis de criminalização, sendo classificadas na categoria de homicídio doloso, ou seja, com a intenção de matar”.[1]

Para Luiz Antônio Bento, tanto a eutanásia quanto a distanásia, etimologicamente, são antônimas, mas, com relação à moralidade de sua aplicação, são semelhantes, pois podem ser consideradas antiéticas e imorais.[2]

A ortotanásia, também conhecida por alguns doutrinadores por eutanásia passiva, pode ser considerada uma forma mais humanizada de aceitar a doença, fazendo com que o paciente siga o percurso normal da enfermidade até o seu último momento, sem sofrimento, apenas tomando os devidos cuidados médicos para conter as dores até que a morte chegue de forma natural, sem prolongá-la evitando-se a distanásia.[3]

Em defesa da eutanásia passiva, o médico Roque Marcos Savioli afirma que: “Ortotanásia é a morte em que há respeito do bem-estar global da pessoa, garantindo dignidade nos momentos que lhe restam de vida”.[4]

O anteprojeto do novo Código Penal Brasileiro prevê expressamente a prática da eutanásia ativa, onde por uma ação o médico/familiar provoca a morte de um paciente, com pena de reclusão de três a seis anos, conforme artigo 121, parágrafo 3º do anteprojeto, in verbis:

Art. 121. Matar alguém:
Pena - Reclusão, de seis a vinte anos.
[...]
Eutanásia
§ 3º Se o autor do crime agiu por compaixão, a pedido da vítima, imputável e maior, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave:
Pena - Reclusão, de três a seis anos.

Exclusão de ilicitude
§ 4º Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos, a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do paciente, ou na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão.[5]

Porém o artigo 121, parágrafo 4º do mesmo texto nos revela uma exclusão de ilicitude para a ortotanásia ou eutanásia passiva, sendo característica desse procedimento uma omissão consciente de não submeter o paciente a uma vida artificial, indigna ou dolorosa, também conhecida por distanásia.

A ortotanásia é uma maneira de garantir a dignidade da pessoa humana, sem desrespeitar a vontade do paciente, tendo uma conformidade entre a sua vontade e o princípio fundamental, que lhe é garantido constitucionalmente.

O projeto que ainda está sendo analisado deverá ser finalizado pela comissão de juristas até o dia 25 de junho de 2012, conforme prazo estipulado pelo Plenário do Senado Federal, e provavelmente não terá grandes modificações conforme apresentação supra.[6]

REFERÊNCIAS

BENTO, Luis Antonio. Bioética: Desafios éticos no debate contemporâneo. São Paulo: Paulinas, 2008.
PARIZOTTO, Tereza. Polêmica: Eutanásia à luz do Direito. Jornal da UEM. Ano X, n. 101, Set. de 2011.
PITHAN, Lívia Haygert. A dignidade humana como fundamento jurídico das “ordens de não-ressuscitação”. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004.
SAVIOLI, Roque Marcos. Médico, graças a Deus! São Paulo: Loyola, 2007.
Disponível em:< http://www.mpdft.gov.br/portal/pdf/unidades/procuradoria_geral/nicce-ap/legis_armas/ Legislacao_completa/Anteprojeto_Codigo_Penal.pdf>. Acesso em 04 jun. 2012.
Disponível em:<http://www.conjur.com.br/2012-mai-23/comissao-30-dias-finalizar-projeto-codigo-penal>. Acesso em 04 jun. 2012.

[1] PARIZOTTO, Tereza. Polêmica: Eutanásia à luz do Direito. Jornal da UEM. Ano X, n. 101, Set. de 2011. p. 9.

[2] BENTO, Luis Antonio. Bioética: Desafios éticos no debate contemporâneo. São Paulo: Paulinas, 2008, p. 163.

[3] PITHAN, Lívia Haygert. A dignidade humana como fundamento jurídico das “ordens de não-ressuscitação”. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004, p. 47.

[4] SAVIOLI, Roque Marcos. Médico, graças a Deus! São Paulo: Loyola, 2007, p. 110.

[5] Disponível em: < http://www.mpdft.gov.br/portal/pdf/unidades/procuradoria_geral/nicceap/legis_armas/Legislacao_completa/Anteprojeto_Codigo_Penal.pdf>. Acesso em 04 jun. 2012.

[6] Disponível em:< http://www.conjur.com.br/2012-mai-23/comissao-30-dias-finalizar-projeto-codigo-penal>. Acesso em 04 jun. 2012.

Rodrigo Róger Saldanha é servidor da Procuradoria-Geral do município de Maringá (PR) e pós-graduando em Ciências Penais pela Universidade Estadual de Maringá.

Revista Consultor Jurídico, 18 de junho de 2012
DESTAQUE DO DIA

Dois Mestrados

Compartilho aqui, a oportunidade que o Centro Universitário Metodista, do IPA oferece para realização dos mestrados na Instituição:

Mestrado Profissional em Reabilitação e Inclusão, destinado a graduados que desejem ampliar e aprofundar seus conhecimentos com a oportunidade de construção de um Produto.

Mestrado Acadêmico em Biociências e Reabilitação que se apresenta como uma oportunidade para graduados ampliarem seus projetos acadêmicos visando a construção de uma Dissertação.

Ambos os mestrados são Interdisciplinar oportunizando pesquisas e construções em diferentes disciplinas, abrangendo as Ciências Humanas às Ciências da Natureza. As inscrições vão até o dia 29/06/2012.




[1] PELA LEGALIZAÇÃO DA EUTANÁSIA PASSIVA NO CÓDIGO PENAL Disponível em http://www.conjur.com.br/2012-jun-18/rodrigo-saldanha-legalizacao-eutanasia-passiva-codigo-penal. Acesso em 25 jun 2012.