segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

O VIGIA

ANO 01 – Nº 304

Ontem fiquei observando dois pátios de estacionamento que abrigam veículos oriundos de um hotel e de um condomínio, respectivamente. Cada um deles possui vigias que se revezam nos diferentes turnos. Ficam ali o dia inteiro e também à noite. A quem está de fora, parecem que não fazem nada. A cidade é tranquila, não são muitos carros, todos chegam com a devida autorização para ficarem ali. Andam para cá, caminham para lá, observam um carro, observam outro, atendem a um motorista, cumprimentam outro e assim passam o tempo todo. Qualquer pessoa poderia pensar que se trata de um trabalho simples e fácil de desempenhar.

Parei para pensar, com mais cuidado, no que fazem. Como os estacionamentos são temporários, não têm como serem automatizados. A primeira trajetória do pensamento é imaginar os estacionamentos sem vigia. Logo se conclui que sua tarefa é necessária. Depois pensei que o que fazem é muito simples, mas comecei a perceber as implicações da profissão. Mesmo sendo livres para irem e virem, não podem se afastar daquele lugar enquanto o turno não acaba. Resulta disso que embora livres se mantém reclusos. Caso se afastem, um ladrão poderia aparecer e danificar um veículo, ou mesmo roubá-los definitivamente. Estão ali, livres para ir e vir e presos por não poderem se afastar.

Partindo do trabalho dos vigias é possível refletir sobre o que representa a liberdade e o que significa a prisão. Posso ser livre para definir o que quero fazer e para onde desejo ir. Sou livre para traçar as minhas próximas ações e criar as construções que desejo. Meu pensamento é plenamente livre para se direcionar nessa ou naquela reflexão. Na sociedade democrática de direitos, posso expressar os meus pensamentos livremente como o faço aqui nesse blog. Delineio o dia de amanhã como entendo que devo vivê-lo.

Porém, essa liberdade que possuo, praticamente infinita para construir o meu destino, esbarra nas determinações do meu existir em sociedade. Se posso ir e voltar, se posso pensar e despensar o que e quando quiser, defronto-me com o ir e vir e com o pensar e o despensar do outro que convive no mesmo tempo e no espaço contiguo ao meu. Sua liberdade equivale à minha e por ela sou limitado enquanto construo o existir. Além disso, mesmo sendo plenamente livre, preciso considerar a responsabilidade diante do existir da minha pessoa e do existir das outras pessoas. Assim, mesmo que pense livremente na minha liberdade não tenho o direito de descuidar do existir do outro, esteja este outro aqui do meu lado ou esteja daqui a um milênio.

Mais que isso, minha liberdade para construir o meu existir precisa considerar o existir dos outros que não são da mesma natureza que eu sou. O outro não pode ser representado apenas como outra pessoa, mas como mundo complexo constituído de natureza viva ou estática, animais menos racionais que eu, segundo o meu julgamento. O meu livre existir precisa considerar a possibilidade da continuidade do existir do mundo. Sendo assim, a liberdade que desfruto é predeterminada pelos condicionamentos imperiosos do existir absoluto e universal.

Como os vigias dos estacionamentos, posso ir e vir, pensar e despensar, planejar e desplanejar, construir e desconstruir, mas não consigo me afastar daquilo que constitui o meu lugar e o meu não-lugar. Acho que, de fato, sou um vigia daquilo que constitui o ser aqui.

Com os votos de uma ótima segunda-feira!


DESTAQUE DO DIA

Nascimento de Simone de Beauvoir (103 anos)

Simone Lucie-Ernestine-Marie Bertrand de Beauvoir[1], mais conhecida como Simone de Beauvoir nasceu em Paris a 9 de janeiro de 1908 e morreu na mesma cidade a 14 de abril de 1986. Foi uma escritora, filósofa existencialista e feminista francesa, escreveu romances, monografias sobre filosofia, política, sociedade, ensaios, biografias e uma autobiografia. As suas obras oferecem uma visão sumamente reveladora de sua vida e de seu tempo. Em seu primeiro romance, A convidada (1943), explorou os dilemas existencialistas da liberdade, da ação e da responsabilidade individual, temas que abordou igualmente em romances posteriores como O sangue dos outros (1944) e Os mandarins (1954), obra pela qual recebeu o Prêmio Goncourt e que é considerada a sua obra-prima. As teses existencialistas, segundo as quais cada pessoa é responsável por si própria, introduzem-se também em uma série de quatro obras autobiográficas, além de Memórias de uma moça bem-comportada (1958), destacam-se A força das coisas (1963) e Tudo dito e feito (1972). Entre seus ensaios críticos cabe destacar O Segundo Sexo (1949), uma profunda análise sobre o papel das mulheres na sociedade; A velhice (1970), sobre o processo de envelhecimento, onde teceu críticas apaixonadas sobre a atitude da sociedade para com os anciãos; e A cerimônia do adeus (1981), onde evocou a figura de seu companheiro de tantos anos, Jean-Paul Charles Aymard Sartre.



[1] SIMONE DE BEAUVOIR. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Simone_de_Beauvoir. Acesso em 9 jan 2012.

2 comentários:

  1. Caríssimo Garin,
    deixo teu cotidiano para aderir a homenagem que fazes uma das figuras mais importante de nosso século 20.
    Adito ao teu texto a referência de um livro: Cartas a Nelson Algren: um amor transatlântico, 1947-1964 reúne mais de três centenas de lindas cartas de amor escritas por uma das maiores intelectuais do século 20, contextualizadas em um panorama de quase duas décadas de história das artes, da política e do existensialismo. Um amor transatlântico se inicia em 1947, quando Simone de Beauvoir, em viagem aos Estados Unidos, foi apresentada a um escritor estadunidense, então quase desconhecido Nelson Algren (1908-1981), surgindo então uma muito linda história de amor que passamos a conhecer com detalhes
    A amizade do
    attico chassot
    http://mestrechassot.blogspot.com

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  2. Caro Chassot,

    tens razão e essas cartas estão no contexto do casamento aberto que perdurou na relação de Sartre com Simone, para muitos um escândalo e para outros um novo paradigma de relações afetivas entre duas pessoas.

    Um abraço,

    Garin

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