terça-feira, 10 de abril de 2012

Em mudança - ano 02 - nº 394

EM MUDANÇA
ANO 02 – Nº 394

Tenho dedicado parte desta semana à revisitar o livro de Fritjof Capra, “O Ponto de Mutação”. É um livro que me encanta pelo aspecto de que desenvolve uma reflexão consistente sobre a visão de mundo que perseguimos desde a modernidade e a contradição de um pensamento linear. A postagem de hoje destaca uma parte do primeiro capítulo que discute a falência dessa visão cartesiana que nos acompanha.

A ênfase dada ao pensamento racional em nossa cultura está sintetizada no célebre enunciado de Descartes, “Cogito, ergo sum” – “Penso, logo existo” -, o que encorajou eficazmente os indivíduos ocidentais a equipararem sua identidade com sua mente racional e não com seu organismo total. Veremos que os efeitos dessa divisão entre mente e corpo são sentidos em toda a nossa cultura. Na medida em que nos retiramos para nossas mentes, esquecemos como “pensar” com nossos corpos, de que modo usá-los como agentes do conhecimento. Assim fazendo, também nos desligamos do nosso ambiente natural e esquecemos como comungar e cooperar com sua rica variedade de organismos vivos.

A divisão entre espírito e matéria levou à concepção do Universo como um sistema mecânico que consiste em objetos separados, os quais, por sua vez, foram reduzidos a seus componentes materiais fundamentais. Essa concepção cartesiana da natureza foi, além disso, estendida aos organismos vivos, consideradas máquinas construídas, de peças separadas. Veremos que tal concepção mecanicista do mundo ainda está na base da maioria  de nossas ciências e continua a exercer uma enorme influência em muitos aspectos de nossa vida. Levou à bem conhecida fragmentação em nossas disciplinas acadêmicas e entidades governamentais e serviu como fundamento lógico para o tratamento do meio ambiente natural como se ele fosse formado de peças separadas a serem exploradas por diferentes grupos de interesse.[1]

Essa forma de pensar foi construída pelo ser humano ocidental por mais de três séculos e a mudança disso necessitará de um tempo quiçá igual ou maior até que possamos entender que fazemos parte de um conjunto, cujas partes não podem ser entendidas separadamente. As concepções de ser humano e de natureza não podem ser divididas como se estranhas fossem e, em certas circunstâncias, opositoras entre si.

Com votos de uma ótima terça-feira!
DESTAQUE DO DIA

Morte de Teilhard de Chardin (57 anos)

Pierre Teilhard de Chardin nasceu em Orcines a 1 de maio de 1881 e morreu em Nova Iorque a 10 de abril de1955. Foi um padre jesuíta, teólogo, filósofo e paleontólogo francês que logrou construir uma visão integradora entre ciência e teologia. Através de suas obras, legou-nos uma filosofia que reconcilia a ciência do mundo material com as forças sagradas do divino e sua teologia. Disposto a desfazer o mal entendido entre a ciência e a religião, conseguiu ser mal visto pelos representantes de ambas. Muitos colegas cientistas negaram o valor científico de sua obra, acusando-a de vir carregada de um misticismo e de uma linguagem estranha à ciência. Do lado da Igreja Católica, por sua vez, foi proibido de lecionar, de publicar suas obras teológicas e submetido a um quase exílio na China.

Como geopaleontólogo, Teilhard de Chardin estava familiarizado com as evidências geológicas e fósseis da evolução do planeta e da espécie humana. Como sacerdote cristão e católico, tinha consciência da necessidade de um metacristianismo que contribuísse para a sobrevivência do planeta e da humanidade sobre ele. No cerne da questão está a visão filosófica, teológica e mística de Teilhard de Chardin a respeito da evolução de todo o Universo, do caos primordial até o despertar da consciência humana sobre a Terra, estágio esse que, segundo ele, será seguido por uma Noogénese, a integração de todo o pensamento humano em uma única rede inteligente que acrescentará mais uma camada em volta da Terra: a Noosfera, que recobrirá todo o Biosfera Terrestre. A orientar todo esse processo, existe uma força que age a partir de dentro da matéria, que orienta a evolução em direção a um ponto de convergência: o Ponto Ômega. Teilhard sustentava a ideia de um Panenteísmo cósmico: a crença de que Deus e o Universo mantém uma criativa e dinâmica relação de progressiva evolução.
Como escritor, a sua obra-prima é O Fenômeno Humano, além de centenas de outros escritos sobre a condição humana. Como paleontólogo, esteve presente na descoberta do Homem de Pequim. Ainda que ele estivesse presente depois do descobrimento do “Piltdown Man” a evidência aponta ao fato que ele nunca perdeu prestígio com a falsificação de um suposto fóssil "O Homem de Piltdown". Como Teilhard disse em 1920: "anatomicamente as partes não cabem.”.[2]


[1] CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. São Paulo: Cultrix, 2006, p. 37.
[2] TEILHARD CHARDIN. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Teilhard_de_Chardin. Acesso em 10 abr 2012.

3 comentários:

  1. Meu caro Garin,
    mais uma vez uma trazes bi-evocações.
    Capra, com tentativas de encontrar uma ‘nova’ Física.
    Chardin, nos anos 1970 leitura difícil na busca de conciliar religião e ciência.
    Bons assuntos para tornar a terça-feira mais densa em reflexões.

    attico chassot

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    1. Amigo Attico,
      que as reflexões nos acompanhem nesses tempos em que as superficialidades campeiam mundo afora.
      Um abraço,

      Garin

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  2. Olá,
    Gostei muito desse post. Li o "Discurso do Método" na adolescência. Lembro que foi para um trabalho de aula, deveria ser 1994. Tinha 17 anos. Eu precisava de nota, muito mais porque eu tinha faltado muito às aulas que realmente as notas fosse um problema. Mas, me dirigi a Biblioteca Pública, eu estudava no centro, nunca tinho ido até lá, achei muito bonita, um mundo que eu não conhecia. Pedi o livro. Comecei a ler. Inicialmente, foi muito complicado. Tinha a impressão que Descartes queria deixar as pessoas loucas! Hahahahhahaha, eu ia percebendo que ele estava certo, só que ao mesmo tempo, olhava para os lados e pensava se realmente tudo aquilo acontecia, hahahahahah. Eu gostei muito, ninguem mais leu o livro... Parece que encontraram um resumo de algum outro aluno de anos anteriores (94, não tinha internet, com 17 anos e esse trabalho por fazer, seria provavel que eu também não lesse caso hovesse a disposição na internet, o que seria uma grande pena). Percebi o quanto eles haviam perdido, mas fiquei quieta, não podemos parecer "crentes" com 17 anos.
    Tudo isso foi para dizer que, eu sei realmente o que o senhor está falando, e já li muito (anos e anos depois) sobre o método cartesiano e sua problemática compartimentação. Entretanto, nunca consegui realmente compreender como isso foi gerado pelo Descartes. Pelo menos, se a compartimentação do conhecimento seria por causa do "Discurso". Não consigo ver isso lá. É bem estranho, talvez eu esteja tendo uma má interpretação, mas realmente não consigo ver no Descartes o que alegam no Descartes. Mas entendo que essa concepção do método cartesiano contribuiu para a compartimentação do conhecimento. Nesse sentido,concordo veementemente que deve-se repensar o mundo e o conhecimento, é um atraso tremendo vermos a vida de forma compartimentada, a dificil união de diferentes fatores da vida real no conhecimento humano.
    Att.
    Eunice

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