quarta-feira, 19 de agosto de 2020

 

SEMPRE LÁ

Nº 521


Visitar o tio era sempre motivo de alegria. De casa até lá eram uns quinhentos metros, não mais que isso. Pedia licença pra mamãe e, uma vez concedida, saia que nem um raio. As visitas ao tio sempre reservavam coisas boas e surpresas. Por exemplo, a tia sempre fazia feijão que com um sabor bem diferente daquele lá de casa. Nunca fiquei sabendo o que ela colocava nele. Sei que era temperado com banha de porco, daqueles que todos nós ajudávamos a carnear. Aliás, esses dias eram de grande festa. Tudo era diferente, desde a hora de levantar-se. Nunca depois do sol nascer... mas isso é assunto para outro dia.

Chegava lá e batia palma. Chamava pelo tio. A tia era surda, só se comunicava por gestos e se a gente gritasse ao seu ouvido. Mamãe dizia que ela perdeu a audição quando era adolescente.

Às vezes entrava pé por pé, para assustar à tia. Ela dava um pulo e um tapa, que era muito mais um gesto de carinho do que uma reprimenda. Perguntava onde estava o tio e saía pulando. Quase sempre estava fazendo alguma coisa na lavoura ou arrumando trato para os animais. Eles tinham vacas leiteiras, porcos, galinhas. Mas das galinhas era a tia quem cuidava. Na hora do trato, ela saía com um montão de milho dentro do avental, como se fosse uma trocha e gritava prrrr...  O galinhedo corria com desespero. A tia parecia uma ilha no meio de tanta galinha. Os tamancos da tia ficavam sujos do pisotear das galinhas disputando o milho.

Uma coisa que chamava minha atenção lá, era um relógio despertador, verde. Ele ficava numa espécie de pedestal, numa das paredes da cozinha. Estrategicamente, bem no alto para que nenhum sobrinho sapeca pudesse alcançar. O tique-taque era tão alto que se podia ouvir de toda a casa. À noite, o tio subia no banquinho, tirava o relógio de lá e dava corda, torcendo uma borboleta na sua traseira. Dava várias voltas até trancar a corda.

Gostava de olhar para o relógio. Sentava num degrau da porta, que separava a sala da cozinha e ficava olhando para ele no seu incansável tique-taque. Ficava ali por um tempo que não dava para medir. Sei lá, acho que se passavam séculos, ou milênios... o tempo era o que menos importava. Aliás, acho que o tempo nem passava... tinha a sensação de que aquele momento era eterno... infinito! Tinha vezes que ia visitar o tio só para olhar e ouvir o relógio, o resto não importava. Era um momento feliz! Cheio de encantamento! Abundante de significado!

O relógio estava sempre lá!

10 comentários:

  1. Também conheci estes tios,ele por pouco tempo,mas ela....Que saudades

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    2. Embora não saiba o teu nome, entendo que és uma pessoa muito próxima. Se puderes, da próxima vez te identifica para que possa te responder mais pessoalmente.

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  2. Linda mensagem,histórias de nossos familiares,meu irmão e tios,tempos bons que nos deixa só saudades!!Abraço meu irmão...

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. Obrigado. É um tempo muito bom, de experiências gratificantes. Por favor, da próxima vez, identifique-se, pois do contrário, aparece para mim como desconhecido. Um abraço.

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  3. Oi professor Garin.
    Uma bela história de sua infância.
    Me fez lembrar de muitas histórias que vivi na casa de meus avós e tios que moravam no interior e também eram agricultores.Abraços

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    1. Obrigado pelo teu comentário. Pena que não fiquei sabendo quem és. Se puderes, na próxima vez te identifica para que possa te responder com mais proximidade.

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  4. Meu querido colega Garin! Há muitas passagens semelhantes nas histórias da minha infância àquelas que tu trazes na blogada de hoje!
    valeu a pena teu escrevinhar

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