A blogada deste sábado santo ou sábado de aleluia é especial. Ela foi produzida pelo professor Dr. Attico Inácio Chassot, do http://mestrechassot.blogspot.com/ e por este editor. O texto do historiador da Ciência e do teólogo é publicado, simultaneamente nos dois blogues. As fotos são de Gerardo Menoscal para o jornal Expreso de Guayaquil, enviada por Matilde Kalil – nossa leitora –, que escreveu: para que conozcan un poco sobre las tradiciones ecuatorianas durante la Semana Santa.... pescadores cargando una inmensa cruz al mar. A esta coedição juntam-se nossos votos de uma feliz páscoa.
A. Chassot & N. Garin
No Antigo Testamento a Páscoa (Bíblia Hebraica) é a celebração da passagem de Javé que veio para ferir todos os primogênitos dos egípcios. Os israelitas deveriam matar um cordeiro ou cabrito novo e comê-lo assado à noite com pão sem fermento acompanhado de ervas amargas, sem deixar qualquer sobra. Com o sangue do animal deveria ser marcado o umbral da porta onde se realizava a celebração para que o Senhor não entrasse em tal casa. Essa refeição deveria ser feita em trajes de viagem o que sinalizava a necessidade de uma viagem às pressas. A origem dessa celebração é antiga e remonta a um período anterior a Moises quando os israelitas pediram a Faraó, licença para celebrar no deserto (Ex 3.18). A Páscoa é celebrada na lua cheia do equinócio da primavera, no dia 14 do mês de abib, ou das espigas, também chamado de nisan, após o Exílio.
A origem da palavra pessach é discutida. Poderia ter relação com o assírio pasahu que corresponde à “apaziguar”. Outra hipótese é origem egípcia pa-sh, “recordação” ou de pasah, “golpe”. No entanto, a Bíblia liga esse termo ao verbo passach “coxear” ou executar uma “dança” ao redor de um sacrifício. Daí nasce o sentido figurado, assumido atualmente: “passar” ou “saltar” (passar por cima da casa dos israelitas ou saltar suas casas).
Mas é no êxodo que essa celebração adquire um sentido definitivo de libertação. Através da intervenção de Javé, em um processo longo que impôs diversos reveses ao Faraó, o povo pode fugir da terra do Egito e da opressão que os mantinha cativos em trabalhos forçados. Dessa forma, Javé demonstra que é Deus forte, capaz de dobrar a espinha do mais poderoso rei da terra. Essa festa é marco importante para os israelitas como memória da libertação da escravatura egípcia. Na história bíblica foi repetida em diversos momentos sempre remarcando momentos de libertação e alegria pela ação de Javé. Foi assim na entrada do povo em Canaã, depois nas reformas de Ezequias e Josias e no retorno do Exílio em 515 a.C.
No Novo Testamento a Páscoa adquire um sentido diferente. Para os israelitas a Páscoa tinha o significado de libertação da escravidão egípcia pela intervenção divina e consequente êxodo em direção á terra prometia.
Para os cristãos, a Páscoa inaugura uma nova religião. Jesus representa a chegada do messias há muito esperado. O cordeiro, ou cabrito sacrificado pelos israelitas se transforma no sacrifício do Filho único de Deus. No lugar dos pães ázimos, cozidos às pressas para a viagem pelo deserto, os cristãos comem o corpo de Cristo, o novo pão da nova viagem. No lugar de sangue que marcava as casas dos filhos de Javé, esse novo sangue é bebido pelos seguidores e sinaliza os separados para o Senhor, num banquete sublime que introduz os fiéis no Reino de Deus. Se antes o sangue do cordeiro (ou cabrito) libertava os israelitas da morte dos primogênitos, o sangue do novo cordeiro é a passagem para uma nova vida. A libertação comemorada pelos cristãos é a libertação da vida de pecados sob a égide da Lei. A Lei agora é outra, pois se baseia na universalidade do amor: ao próximo como a si mesmo e a Deus sobre tudo.
Temos uma marcação de nossas vidas muito definidas (mais que pensamos, sentimos ou até aceitamos) pela lua como era a moda para civilizações mais ancestrais, que tinham no céu - mais admirado, pois mais visível num espaço não ofuscado pela iluminação artificial como aquela das cidades - uma regulação dada pelas diferentes fases da lua a cadenciar a passagem dos dias. Temos, por exemplo, um calendário dividido em semanas (lunar), que na verdade é resultado de um ciclo lunar, aposto em nosso calendário solar.
Por algum tempo, utilizou-se exclusivamente o calendário lunar - baseado no período de 12 lunações, ou seja, 354,36708 dias. Uma lunação é o intervalo entre duas luas novas consecutivas e dura 29,53059 dias. Assim num período de 12 lunações transcorrem 354 dias. Falta, então cerca de dez dias para o Sol ocupar a mesma posição na eclíptica. Consequentemente, as estações do ano ocorreriam pelo calendário lunar, a cada ano, cerca de dez dias mais cedo. Para corrigir isso, por exemplo, no calendário judaico, há anos de 13 meses. O ano de 13 meses tem a mesma função do ano bissexto para o calendário gregoriano: ajustar o calendário ao tempo de um ano trópico. Nos tempos bíblicos, o ano com um décimo terceiro mês era adicionado a cada três anos. Na última das revisões, adota-se um ciclo de 19 anos: o terceiro, sexto, oitavo, décimo primeiro, décimo quarto, décimo sétimo e décimo nono anos têm 13 meses. Mais corretamente deveríamos dizer que esse calendário é lunissolar, pois são feitas correções para posicionamento com o ano solar em um ano lunar.
É importante constatar o quanto ainda em nosso calendário solar se inserem definições lunares. Vejam o hibridismo da determinação da Páscoa e do Natal, as duas maiores festas da cristandade. Usamos muito a propósito, o termo cristandade, significando o conjunto dos povos ou países cristãos e, assim, não nos referimos aos que professam a fé cristã. A primeira ocorre numa data móvel, regida pelo calendário lunar, entre 22 de março e 25 de abril. E para que não se diga que a lua determina a data de eventos móveis religiosos (Pentecostes, Corpus Christi, Ascensão etc) ela também define a data do Carnaval - que pode ocorrer entre 03 de fevereiro e 09 de março - até porque esta festa se associava às celebrações quaresmais, segundo alguns sendo a celebração do adeus a carne (= carne vale) antes dos dias de abstinência de carne que se prolongavam até a Páscoa. Um jornal de Porto Alegre, na véspera da Páscoa de 2006, em um material de curiosidades acerca da festa, explicou que para calcular a data da Páscoa bastava adicionar 46 dias a data do Carnaval. Certamente, ao fazer matéria sobre o Carnaval poderia explicar que para calcular a sua data basta subtrair 46 da data da Páscoa. O Natal ocorre sempre em 25 de dezembro, com data definida pelo calendário solar, provavelmente para fazer-se sincrética às festas pré-cristãs celebradas pela passagem solstício de inverno no hemisfério Norte.
A data da Páscoa (tanto na Igreja Católica como nas Igrejas Protestantes e Igrejas Ortodoxas, mas não há necessariamente coincidência com o calendário judeu) é calculada como ocorrendo no primeiro domingo após a lua cheia (lembremo-nos que Sexta-Feira Santa é dia de plenilúnio) seguinte à entrada do equinócio de outono no hemisfério sul ou o equinócio de primavera no hemisfério norte. Essa definição foi um momento que pôs fim a uma histórica divergência dentro da Igreja. Há denominações cristãs que tem fixada a Sexta-Feira Santa em 12 de abril, definida a partir de leituras dos Atos dos Apóstolos relacionadas com a data da morte de Jesus no suposto ano 33 da era cristã.
Esta maneira de se definir a data da Páscoa aconteceu em 325, quando ocorreu Concílio de Niceia, tido na história como primeiro Concílio ecumênico. Até então o Cristianismo permanecia tão somente como uma seita do judaísmo tal como os Fariseus, os Saduceus ou os Essênios - os cristãos eram inicialmente conhecidos como Nazarenos -. É a partir deste Concílio que se pode falar em uma Igreja cristã.
Nicéia, atual cidade de Iznik, está localizada na província de Anatólia (nome que se costuma dar à antiga Ásia Menor), na Turquia asiática. Este primeiro Concílio Ecumênico da Igreja, foi convocado pelo Imperador Flavius Valerius Constantinus (285-337). Constantino, estadista sagaz que era, inverteu a política vigente, passando da perseguição aos cristãos, à promoção do Cristianismo, vislumbrando a oportunidade de relançar, através da Igreja, a unidade religiosa do seu Império. Contudo, durante todo o seu regime, não abriu mão de sua condição de sumo-sacerdote do culto pagão ao "Sol Invictus". O Imperador Constantino tinha um conhecimento rudimentar da doutrina cristã e suas intervenções em matéria religiosa visavam, a princípio, fortalecer a hegemonia do seu governo. Assim, buscou com o Concílio a unificação de uma religião oficial para o Império e para tal trouxe propostas as mais diversas.
Uma das propostas de Constantino, aos mais de 300 prelados conciliares foi dissociar a data da celebração da Páscoa da data judaica. Como judeus e cristãos observavam o Shabat e participavam das mesmas festividades era preciso demarcar diferenças. Assim, outra decisão deste Concílio de Nicéia consistiu na transferência do dia santo e de descanso semanal guardado pelos primeiros seguidores de Cristo, de Sábado para a Prima Feria, que passou a denominar-se dies domini, daí Domingo.
Na história há muitas voltas e reviravoltas nas tentativas de se fazer um calendário não só mais universal e também mais astronomicamente correto. Aqui não é momento para falar delas, mas houve uma mais recente que é significativa, até porque dá o nome ao calendário que temos hoje - o calendário gregoriano --, que substitui o calendário juliano.
A Igreja Ortodoxa não aceitou alterar o calendário, pois dizia que estava em desacordo com o que fora estabelecido no Concílio de Nicéia. A partir daí, a Páscoa Ortodoxa e Latina (Católico-romana) passaram a ter datas diferentes, coincidindo apenas de 4 em 4 anos. A Igreja Ortodoxa, fiel às decisões deste Concílio, continua seguindo este calendário, observando fiel e firmemente os cânones deste concílio, não aceitando reformas e inovações.
Esperamos que com a coprodução deste ter contribuído para respostas a algumas das muitas questões trazidas nestes dias, das quais certas são malversadas pelos assim chamados formadores de opinião. Renovamos nos votos de uma Páscoa abençoada a cada uma e cada um de nossos leitores crentes e não crentes.
Meu estimado Garin,
ResponderExcluirque esta coprodução seja apenas estreia. Estou muito contente com nossa iniciativa e desejoso que leitores, como nossa querida ex-aluna Marilia Muiller, que com suas interrogações acerca deste período tão pleno de mistérios que vivemos catalisou estas reflexões, fruam algo neste texto.
Um bom sábado para viver expectativa de ressurreições.
attico chassot
Caro Chassot,
ResponderExcluirtambém compartilho desse mesma expectativa sobre a coprodução de blogue conjunta. Acho esta experiência muito enriquecedora: faz-nos construir um texto, que passa a ser público, construído a partir de duas visões diferentes.
Um bom sábado de Alelúia!
Garin