quinta-feira, 1 de setembro de 2011


FACILIDADES E ROMANTISMOS
ANO 01 – Nº 174
Pulei da cama um tanto queimado[1], corri à cozinha para fazer o chimarrão. Com a garrafa térmica na mão direita abri a torneira e medi a quantidade de água necessária. Coloquei na chaleira e essa sobre o fogão. Abri a torneira[2] do gás e apertei o acendedor. Pronto! Lá estava a minha água de chimarrão[3] sendo aquecida. Abri o armário superior, tomei a tulha, dispus a cuia e a bomba e aguardei o ponto da água para inchar a erva[4]. Arrumei cuidadosamente a erva sobre a água, enfeitei o morrinho e me pus a esperar que a chaleira chiasse.
Foi aí que meu pensamento voou em busca das raízes do chimarrão. Não sobre a história do mate, mas sobre como cheguei até esse ponto onde me encontrava. O primeiro cenário que a memória resgatou foi a do guri buscando água na fonte, a cerca de uns trezentos metros. Duas latas, uma em cada braço, cuidadosamente para não molhar o chão. Colocava a água dentro da talha[5]. No final da tarde, rachava a lenha em duas porções separadas. Uma de lenha mais fina, os gravetos e outra de achas mais robustas, para alimentar o fogo. Recolhia uma porção de palha de milho para iniciar o fogo. No outro dia, de madrugada, com a fornalha do fogão devidamente montada, buscava o fogo num antigo isqueiro à gasolina, do papai. A chama não aparecia de pronto. Às vezes eram necessárias oito ou dez tentativas para se conseguir a chama que incendiaria a palha. Por fim acendia o fogão. Começado o fogo era necessário esperar a chapa aquecer e depois a chaleira chiar.
Com as facilidades de agora, quase não nos damos conta do significado dos objetos que manipulamos e das nossas ações. Essas facilidades ajudam decisivamente nosso dia-a-dia, mas com isso, nos distanciamos do valor que as coisas possuem em si mesmas ou que lhes atribuímos. Até hoje não consigo desperdiçar uma gota de água por conta do trabalho que dava para buscá-la na fonte. Quando tiro a chaleira de sobre a chama, desligo a torneira do gás por conta da dificuldade que era conseguir lenha seca para fazer o fogo. O chimarrão que sorvo agora ainda guarda o simbolismo da tradição do meu povo, construído desde um passado remoto, mas nem sempre o sabor quente do mate recorda a dificuldade de antanho. As facilidades e a correria quebraram um tanto do romantismo do passado. Tomara que tudo isso não empane as lembranças e os simbolismos que me fazem parcimonioso no uso dos bens naturais e na manipulação dos objetos tão caros a essa tradição!

DESTAQUE DO DIA
Morte de Marin Mersenne (363 anos)
Marin Mersenne[6] nasceu em Oizé a 8 de Setembro de 1588 e faleceu em Paris a 1º de Setembro de 1648. Foi matemático, teórico musical, padre mínimo, teólogo e filósofo francês. Ficou conhecido pelo seu estudo dos chamados primos de Mersenne. O asteróide 8191 Mersenne foi batizado em sua honra. Numa altura em que não existiam revistas científicas, o papel de Marin Mersenne era significativo na divulgação das novas descobertas que se faziam por toda a Europa. Mersenne era o centro da divulgação científica, correspondendo-se com os maiores cientistas seus contemporâneos, como Descartes, Galileu, Fermat, Pascal e Torricelli. Mersenne organizava também encontros entre estes cientistas e viajava com frequência pela Europa para se encontrar com alguns deles. Este círculo alargado de cientistas europeus é por vezes designado por Academia de Mersenne, uma percursora da Académie des Sciences, fundada poucos anos após o falecimento de Mersenne.


[1] Atrasado.
[2] O botão do fogão.
[3] Ilustrações diponíveis em http://terreiroir.blogspot.com/2008/12/vamos-gervear.html; http://www.mcapivaras.com.br/produtos/rejeitos_de_serra; http://pedrootaviani.webnode.com.br/news/chaleira-de-ferro/. Disponível em 31 ago 2011.
[4] Porção de água semi-aquecida.
[5] Recipiente de cerâmica utilizado para armazenamentos.
[6] MARIN MARSENNE (ilustração e texto). Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Marin_Mersenne. Acesso em 31 ago 2011.

2 comentários:

  1. Meu caro Garin,
    uma visita a duas cozinhas, separadas um pouco mais de meio século. Uma, a chama ouve teu fiat e na outra o ritual da lenha e gravetos. Se nossos avós visitassem nossas casas hoje na cozinha seriam alienígenas.
    Um setembro com muitos chimarrões cevados nos rituais que trazes hoje.
    Com estima
    attico chassot

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  2. Caro Chassot,

    o tempo e a proximidade geográfica de nossas infâncias são certificados de proximidades culturas que envolviam aromas, sabores, paisagens, tradições e valores morais.

    Bom setembro para ti, também!

    Garin

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