O PONTO FINAL
ANO 01 – Nº 182
Não é de agora que se debate questões fundamentais a respeito da duração de uma vida. Há quem se agarre a ela como se o seu fim representasse uma ecatombe de proporções universais. De outra sorte, há quem imagine a possibilidade da pessoa portar um ‘botão’, que poderia ser desligado a partir de certa idade, dando fim ao seu existir. Quando esse assunto é levantado num ambiente acadêmico, as opiniões são divergentes e os teóricos se arriscam pouco ao assunto. Entretanto, quando debatemos o fim dos nossos entes queridos, que já não vivem mais como seres humanos dignos e já não têm condições de retornarem à dignidade que consideramos padrão, esse assunto se torna mais polêmico ainda. No campo jurídico as determinações diferem de legislação para legislação, mas de certa forma, quase todas apresentam dificuldades para determinar o ponto final de uma vida humana. Na Argentina, recentemente, há uma situação relacionada a uma criança de pouco mais de dois anos, que já não vive mais com dignidade. Acompanhemos a notícia a seguir e façamos a nossa reflexão.
PROFESSORA ARGENTINA APELA POR
A professora argentina Selva Herbón, 37, fez um apelo para que sua filha de dois anos, em estado vegetativo desde que nasceu, possa ter uma "morte digna". A filha Camila ficou um período sem receber oxigênio durante o parto, o que pode ter provocado danos cerebrais, e está em um estado vegetativo permanente desde então.
A professora enviou uma carta na semana passada aos deputados do país pedindo a aprovação de projeto de lei que permita "a morte digna" de Camila. Herbón escreveu que a situação da menina é "irrecuperável e irreversível", mas que existe um "vazio legal" na legislação atual que impede a retirada dos aparelhos que a mantém viva.
Na carta, a mãe diz ainda que especialistas de quatro lugares deram parecer favorável a "limitar o esforço terapêutico e retirar o suporte vital" da criança. Ela diz, porém, que nenhum médico quer se arriscar a desligar os aparelhos, já que o fato, com as leis atuais, seria definido como "homicídio".
Selva e seu marido, Carlos, são pais também de uma menina de 8 anos, saudável. "Na minha condição de mãe, eu lhes suplico, a partir do meu caso e de muitos outros, que seja aberto o debate (no Parlamento)", afirmou na carta.
Sem visitas
Em entrevista à BBC Brasil, a professora disse ter certeza de que a "morte digna" é o melhor para Camila. "Na minha concepção de mãe, ela não tem vida digna. Camila não vê, não escuta, não chora, não sorri. Eu e meu marido não queremos que ela tenha uma vida mantida de modo artificial", disse.
A professora contou que o marido e a filha já não visitam a menina, internada no hospital Centro Gallego, da capital argentina, porque não suportam ver "a criança crescer, mas sem sentir nada".
"Conversei com um especialista da Universidade Católica Argentina (UCA) que me disse que é possível desligar, legalmente, os aparelhos desde que se comprove que ela tem morte cerebral. Vamos tentar conseguir um médico que confirme este fato", disse.
Questionada se o desligamento dos respiradores artificiais significaria eutanásia, ela respondeu: "Eutanásia quer dizer 'boa morte'".
Selva afirma que recebeu, nesta quarta, um diploma por um curso virtual de bioética que estudou durante quatro meses. "Eu quis estudar para entender melhor o que estou defendendo para minha filha", disse. Segundo ela, outros pais "podem preferir ter um filho nestas condições, para poder acariciá-lo todos os dias". "Mas não é o que entendo como vida para minha filha", afirmou.
Especialistas
O apelo de Selva Herbón foi destaque nos jornais Clarin e La Nación, os principais da Argentina, e gerou entre especialistas manifestações pró e contra o pedido da mãe.
"Uma pessoa em estado vegetativo persistente pode permanecer assim entre oito e dez anos. Mas a maior quantidade de informação disponível hoje é em relação aos adultos. Por isso, se busca o consenso (sobre a morte digna) em cada caso", disse o presidente da Associação Cérebro Vascular Argentina, Conrado Estol.
A coordenadora do Comitê de Bioética do Incucai (Instituto Nacional Central Único de Doações e Transplantes), Beatriz Firmenich, disse que a menina "já não deveria estar viva".
Mas o diretor do Departamento de Bioética da Universidade Austral, Carlos Pineda, é contra o desligamento dos aparelhos. "É um ser humano que merece ser respeitado. Mas sua família não a considera um ser humano, e por isso pede que ela seja morta", disse Pineda.
O deputado Miguel Bonasso, do partido Diálogo por Buenos Aires, disse que o debate deve ser aberto, e por isso recentemente apresentou um projeto de lei no Congresso que possibilita "a autonomia dos pacientes e o respeito à sua vontade". Seus assessores disseram, porém, que o texto foi pensado para adultos, e não para crianças, e por isso o debate é a melhor saída. De acordo com a imprensa local, outros oito projetos semelhantes estão no Congresso.
Para o assessor de Bioética da Secretaria de Direitos Humanos do governo federal, Juan Carlos Tealdi, o estado da menina é "irreversível" mas, na sua opinião, os médicos "têm medo de ser processados" pela Justiça.
Na Argentina, duas províncias, Neuquén e Rio Negro, sancionaram recentemente leis que legalizam a "morte digna".
DESTAQUE DO DIA
Morte de Lacan[2] (30 anos)
Jacques-Marie Émile Lacan[3] nasceu em Paris a 13 de abril de 1901 e faleceu na mesma cidade a 9 de setembro de 1981. Psicanalista francês, formado em Medicina, passou da neurologia à psiquiatria, tendo sido aluno de Gatian de Clérambault. Teve contato com a psicanálise através do surrealismo e a partir de 1951, afirmando que os pós-freudianos haviam se desviado, propôs um retorno a Freud. Para isso, utilizou-se da lingüística de Saussure (e posteriormente de Jakobson e Benveniste) e da antropologia estrutural de Lévi-Strauss, tornando-se importante figura do Estruturalismo. Posteriormente encaminhou-se para a Lógica e para a Topologia. Seu ensino foi primordialmente oral, dando-se através de seminários e conferências. Em 1966 foi publicada uma coletânea de 34 artigos e conferências, os Écrits (Escritos). A partir de 1973 iniciou-se a publicação de seus 26 seminários, sob o título Le Séminaire (O Seminário).
[1] PROFESSORA ARGENTINA APELA POR 'MORTE DIGNA' DA FILHA DE DOIS ANOS (ilustração e texto). Disponível em http://noticias.uol.com.br/bbc/2011/08/18/professora-argentina-apela-por-morte-digna-da-filha-de-dois-anos.jhtm. Acesso em 8 set 2011.
[2] Ilustração disponível em http://www.revistabula.com/posts/colunistas/lacaios-de-lacan. Acesso em 8 set 2011.
[3] JACQUES LACANA. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Jacques_Lacan. Acesso em 8 set 2011.
Muito estimado Garin,
ResponderExcluirparceiro nestes blogares da madrugada, mais uma vez trazes um assunto polêmico, ou melhor, muito polêmico. Imagino a dificuldade de discutir isso numa aula de ética. As opiniões deve se dispor em amplo espectro.
A eutanásia ganhou nova dimensão com os processos biofisicoquímicos de prolongar a vida e a estes associa-se cada vez mais a máfia das UTIs que movem fortunas.
Problemas como este que trazes e tantos outros similares inexistiam na geração de nossos avós. ¿Por que? Porque se morria naturalmente em casa.
A tecnologia gera problemas éticos.
Com admiração por trazeres estas discussões e eu ‘voto’ no direito de podermos morrer com dignidade
attico chassot
Caro Chassot,
ResponderExcluirnormalmente as opiniões caminham nessa mesma direção do teu voto. Contudo, quando a família se vê diante de uma decisão desse tipo, sempre há quem discorde. Sobretudo, esbarra-se na ética médica, sempre soberana.
Um abraço,
Garin