sexta-feira, 4 de maio de 2012

Carro da imortalidade - ano 02 - nº 418


CARRO DA IMORTALIDADE
ANO 02 – Nº 418

A capacidade que o ser humano tem de transformar objetos em símbolos é impressionante. Existimos vinculados à mitologia que nos sustenta o cotidiano. É ela que constitui a realidade de nossas crenças e aos pés dos mitos depositamos nossa fé. A percepção que tenho é de que se não fossem os mitos não conseguiríamos suportar a realidade do existir e nos jogaríamos em direção à finitude de nossas vidas.

Apenas um parêntese sobre uma contradição da atualidade: quase todos os dias ouço alguém menosprezar os mitos inferindo que isso é uma bobagem, uma mentira.

Encontrei ontem, a narrativa sobre a propaganda de um carro capaz de conferir aos seus donos, o dom da imortalidade. Um carro capaz de vencer a morte. Transcrevo o texto sobre essa propaganda:

Um cara superboa-pinta dirigindo uma Mercedes em
 meio a uma nevasca, a estrada cheia de gelo. De repente,
aparece a morte sentada ao lado dele, com aquela famosa foice.
A morte olha pra ele e fala “desculpa”. Aí o cara olha para a
frente e tem um caminhão gigantesco atravessado no meio
da estrada. Enquanto a morte sorri satisfeita, o cara pisa no freio
e a Mercedes para um pouquinho antes do caminhão.
Aí o cara olha para a morte e fala “desculpa”.[1]

Não há como não vincular a propaganda do carro à sua qualidade de conferir ao seu proprietário, a eternidade. Quem compra um carro desses torna-se imortal. O anseio humano de infinitude se projeta sobre o objeto que contêm em si, a satisfação do desejo mais recôndito do ser humano. Troca-se a imagem do objeto, mas o significado mitológico permanece porque é esse que alimenta o coração humano.

A vida contemporânea está repleta de imagens que remetem a significados mitológicos. Aparecem nos pacotes de salgadinhos, nas embalagens de chocolates, nos rótulos de bebidas, nas ofertas de serviços etc. A mídia publicitária percebe isso e planeja seus anúncios para atingir a necessidade dos sentidos mitológicos que impregnam a alma do consumidor atual.

Falar de diabo é coisa do passado. Pertence a uma linguagem ultrapassada que não diz respeito à contemporaneidade tecnológica dos meios atuais. Entretanto, troca-se a linguagem e os instrumentos, mas a ação diabólica, que mudou de imagem, continua intacta. Não se vê mais o garfo de três dentes, mas o consumo continua espetando o cartão de crédito. Não se enxerga mais os chifrinhos na cabeça do bicho vermelho, mas o saldo negativo da conta bancária continua atropelando muita gente. Já não aparecem as labaredas do fogo do inferno, mas os consumidores continuam torrando nas labaredas das prestações intermináveis.

Votos de uma sexta-feira de muitas realizações!
DESTAQUE DO DIA

Morte de Noel Rosa (75 anos)

Noel de Medeiros Rosa nasceu no Rio de Janeiro a 11 de dezembro de 1910 e morreu na mesma cidade a 4 de maio de 1937. Foi um sambista, cantor, compositor, bandolinista, violonista brasileiro e um dos maiores e mais importantes artistas da música no Brasil. Teve contribuição fundamental na legitimação do samba de morro e no "asfalto", ou seja, entre a classe média e o rádio, principal meio de comunicação em sua época - fato de grande importância, não só o samba, mas a história da música popular brasileira.[2]


[1] BETTO, Frei; GLESER, Marcelo; FALCÃO, Waldemar. Conversas sobre fé e ciênca. Rio de Janeiro: Agir, 2011, p. 202.
[2] NOEL ROSA. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Noel_de_Medeiros_Rosa. Acesso em 4 maio 2012.

2 comentários:

  1. Meu caro Garin,
    desde Encarnación, PY
    obrigado pelas reflexões cotidianas,
    Um bom dia,
    attico chassot

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    1. Amigo Chassot,
      votos de uma proveitosa excursão cultural pelas terras dos Guaranis.

      Forte abraço,

      Garin

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