quarta-feira, 23 de novembro de 2011

CONVERSAR OU FICAR CALADO?

ANO 01 – Nº 257

Essa é uma situação que nunca sei muito bem como enfrentar. Aguardamos calados na fila. Abre-se a porta e ambos entramos. Ninguém se conhece, mas os dez andares de viagem constrangem quem está ali encerrado. Não há como fugir, nem como apressar. Olho para as teclas. Confiro se o número do meu andar está aceso. Tudo certo! A viagem prossegue edifício acima mergulhado no silêncio de quem não se conhece, mas se reconhece como ser humano.

A mente trabalha rápido. Posso falar sobre o calor. Prefiro aguardar, quem sabe o outro passageiro fala alguma coisa. Mencionar algum time de futebol é arriscado. Por aqui esse mundo se divide em dois enormes paredões intransponíveis. Quem sabe puxo um assunto sobre o próximo final de semana, dizem que vai fazer calor, bom para praia. Não sei não, acho melhor procurar outro assunto. Já sei, vou mencionar a queda do Berlusconi. Fico em dúvida. Melhor não. Olho para cima, dou um suspiro. O elevador recém está passando pelo quinto andar, parece que não termina nunca. O outro passageiro se vira e olha-se no espelho. Procura alguma irregularidade no nó da gravata. Tenho uma inspiração: vou falar sobre a exigência da apresentação pessoal para se trabalhar em algumas profissões, como advogados, por exemplo. Reflito melhor e desisto. Agora sim, vou falar sobre os modernos sistemas de elevadores completamente climatizados, uma conforto em dias abafados de verão. Abro a boca, mas o companheiro de viagem se vira e disfarço num bocejo forçado. Oitavo, nono, décimo. Percebo que vamos descer no mesmo andar e faço um gesto dando a preferência. Ele agradece e sai. Eu também me dirijo ao consultório. Quando a secretária anuncia a minha hora de consulta sou recebido pelo companheiro de viagem do elevador.

Somos passageiros de uma mesma vida, mas não conseguimos dialogar sobre nada. O receio de não ser bem interpretado bloqueia as melhores oportunidades de ser o que sempre somos: humanos. O abismo intransponível do percurso de dez andares é capaz de silenciar a mais sublime faculdade do ser humano, o diálogo. Mesmo estranhos sempre haverá múltiplas possibilidades e aproximação humana. Entretanto, o hermetismo social nos transforma em estátuas mudas incapazes de compartilhar a satisfação de existir. É a sociedade que nos embrutece ou somos nós, constituintes dessa sociedade que atropelamos o humano que em nós habita? Essa é uma questão que nunca sei muito bem como enfrentar.


DESTAQUE DO DIA

Nascimento de Espinoza (379 anos)

Bento de Espinoza
ברוך שפינוזה
Bento de Espinoza[1] (também Benedito Espinoza; em hebraico: ברוך שפינוזה, transl. Baruch Spinoza) nasceu a 24 de novembro de 1632 em Amsterdã e morreu a  21 de fevereiro de 1677 em Haia. Foi um dos grandes racionalistas do século XVII dentro da chamada Filosofia Moderna, juntamente com René Descartes e Gottfried Leibniz. Nasceu no seio de uma família judaica portuguesa e é considerado o fundador do criticismo bíblico moderno. A sua família fugiu da Inquisição de Portugal. Foi um profundo estudioso da Bíblia, do Talmude e de obras de judeus como Maimônides, Ben Gherson, Ibn Ezra, Hasdai Crescas, Ibn Gabirol, Moisés de Córdoba e outros. Também se dedicou ao estudo de Sócrates, Platão, Aristóteles, Demócrito, Epicuro, Lucrécio e também de Giordano Bruno. Ganhou fama pelas suas posições de panteísmo (Deus, natureza naturante) e do monismo neutro, e ainda devido ao fato da sua ética ter sido escrita sob a forma de postulado e definições, como se fosse um tratado de geometria.


[1] BENTO ESPINOZA (ilustração e texto). Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Baruch_de_Espinoza. Acesso em 22 nov 2011.

2 comentários:

  1. Pai, gostei muito deste texto. O que costumo fazer é inventar notícias e comentá-las com estranhos no elevador (vizinho não vale). Experimente um dia. É bem legal ouvir as pessoas falando sobre coisas que não aconteceram, pois como elas não sabem que são suposições, elas respondem com uma boa dose de sinceridade.
    Bjs

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  2. Meu caríssima Garin,
    li tão logo entrou em circulação teu relato no ascensor. Achei-o tragicômico. Imagina se fazes um comentário acerca da gravata daquele que depois será teu facultativo (¿por que médico é facultativo). Prefiro chamar Spinoza, por quem tenho uma admiração intelectual, de Baruch (lembra como começa em hebraico a benção: Baruch Adonai!)
    Com agradecimento por nos levar junto no elevador. Encantei-me,
    attico chassot
    http://mestrechassot.blogspot.com
    www.professorchassot.pro.br

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