quarta-feira, 2 de novembro de 2011

A MORTE E O MORRER
ANO 01 – Nº 236
Este texto é uma coprodução, que circula simultaneamente em nossos dois blogues. Temos convergências e divergências. Um de nós é teólogo e outro não professa religião. As convergências estão na primeira pessoa do plural. Quando o texto reflete uma opinião pessoal, usamos a primeira pessoa do singular, sem que necessariamente seja identificado o autor.
Hoje é um feriado nacional. Talvez, seja aquele que tenha a celebração mais plural. Os sentimentos com que celebramos, por exemplo, o ‘Sete de Setembro’ são muito singulares. Hoje somos convidados a recordar nossos mortos[1].
Não só é plural a maneira que celebramos a data (ir ao cemitério, levar flor aos túmulos, ir rezar nas igrejas, somente ouvir música ‘clássica’, guardar o silêncio, seguir as rotinas de um dia qualquer...), mas são pluralíssimas as relações que temos com nossos mortos.
Celebro meus mortos contando suas histórias. Esta é maneira que eles se fazem presentes/eternos para mim.
Mas a data quer que falemos da morte. O pensamento ocidental tem sido marcado pela tradição de religiões de origens abraâmicas que concebem a morte a partir do pensamento realista sobre a finitude do ser humano ao afirmar que ele é temporário: “porquanto és pó e em pó te tornarás.” (Gn 3.19). Assim, a nossa trajetória é limitada e da morte não escapamos. Entretanto, a forma de encontrá-la é distinta para cada pessoa. Podemos ser, em nossas ações, mais tanatófobos (aversão à morte) que tanatófilos. Mesmo sendo ela uma das poucas certezas que temos, historicamente a negamos. Por isto o tema é, usualmente, obliterado.
Vale lembrar que Tânatos (do grego θάνατος Thánatos) é morte. Dai provêm as palavras eutanásia, ortotanásia ou tanatologia. Tanatório (substantivo já dicionarizado), conjunto de instalações destinadas a diversos tipos de cerimônias fúnebres e preparação de cadáveres; capela funerária.
Não temos a pretensão de fazer, aqui e agora, uma tanatologia, primeiro porque não temos competência e depois porque este assunto não deverá ter muita atração. Mas, na tradição de fazer evocações, damo-nos conta de que, mais recentemente, mudamos a maneira de ‘nosso’ morrer e, também, de despedirmo-nos de nossos mortos.
Se perguntássemos aos nossos leitores de mais de 50 anos onde morreram cada um de seus quatro avós, muito provavelmente, a resposta seria de que morreram em casa. De nossos 16 bisavós, a resposta, de maneira quase certa, seria a mesma. Acerca de nossos pais e de nós mesmos, o local de morrer foi/será um hospital.
Costume antigo, hoje praticamente abandonado, o de colocar vela na mão do doente quando este estava já demonstrando sinais de fraqueza e de debilidade do corpo, os familiares já deixavam do lado dele uma vela e fósforo. Assim que se percebia que o moribundo estava dando os últimos suspiros, alguém colocava uma vela na mão do agonizante e a acendia, para que ele morresse com a vela já acesa, talvez na esperança de que a luz da vela lhe iluminasse o caminho para o além. Assim, o povo dizia: "esse aí já está com a vela na mão..." para as pessoas que estavam bem doentes e que, aparentemente, logo, estariam segurando a tal vela, e passando desta para outra dimensão.
Esta vela era, em algumas tradições, com na tradição católica romana, a mesma usada pelo moribundo quando de seu batismo, depois na primeira comunhão e na crisma e devia acompanhá-lo na última viagem.
Dessa forma podemos dizer que o direito a ortotanásia – morte natural e sem sofrimento – tão violado nos dias atuais, era naturalmente aceita sem discussões.
Também somos testemunhas de significativas mudanças havidas nas despedidas. Lembramos de velórios domésticos. A mesa de refeição era naturalmente transformada em catafalco. Depois vieram as capelas mortuárias e agora os crematórios. Neste, em boa parte das vezes, ao invés dos rituais de despedidas presididos por um ministro religioso, temos um ato social onde as falas se sucedem sobre as paixões clubísticas do finado, seus gostos musicais e suas relações familiares onde se destaca o avô dedicado ou sogra conciliadora. Depois o corpo desaparece assim como um mago esconde um coelho dentro da cartola.
São as novas maneiras de morrer com as máfias das UTI, prolongando interesseiramente vidas que já não comportam esta classificação de processos de distanásia– morte prolongada e dolorosa – e o ‘desaparecer’ com um corpo que, ao invés de ir a um forno de cremação, fica aguardando em uma câmara frigorífica, para ser incinerado (às vezes até em outro município).
A contemporaneidade, tão badalada por seus avanços nanotecnológicos, não fez merecedor de descarte de tudo que é de antigamente. Pelo menos não no tocante ao como morrer e ao como sepultar os mortos.
Se por um lado a morte é a mais absoluta certeza, também podemos confiar que ela nos conduzirá à eternidade. Esta, para os crentes será sempre a eternidade com Deus. Para os não crentes poderá ser uma narrativa que passará pelos corações e mentes de familiares, amigos e outras pessoas às quais aquele que partiu marcou, mas será eterna posto que se unirá ao pó, do qual foi feito.

Norberto Garin
Attico Chassot [http://mestrechassot.blogspot.com/]



[1] Ilustrações disponíveis em http://mecanicosdapalavra.blogspot.com/2008/02/lao-de-luto.html; http://pt.wikipedia.org/wiki/T%C3%A2nato. Acesso em 01 nov 2011.

4 comentários:

  1. Meu caro Garin,
    se nossas divergências de crenças podem ser expressas em um texto com tantas convergências, poderíamos prognosticar que o ecumenismo é possível em dimensões maiores.
    Foi muito bom termos feito este texto juntos.
    Um bom dia para ter fruídas recordações daqueles que estão aqui na evocação de suas histórias.

    attico chassot

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  2. Caros professores
    Nos despedimos de tantas pessoas queridas ao longo de nossas vidas, sabemos bem, como muitos, que este dia em especial, é um dia melancólico. Normalmente dia de finados é triste, pois a emoção aparece quando nos lembramos de pessoas que eram muito importantes em nossas vidas, parentes ou não. Com isso, volta-se a sofrer a dor da perda, pela saudade sentida, e é também quando pensamos que somos finitos, é pensar num futuro onde nós não estaremos. É o dia da celebração da vida eterna das pessoas queridas que já faleceram, enfim como disse é um dia melancólico. Acredito que também seja um dia para reflexão, é um dia para pensar em viver bem com os que aqui estão, retirando de seus corações toda magoa que exista, e seja principalmente um dia para as pessoas pensarem no perdão, como disse nosso Mestre, é perdoando que seremos perdoados, é perdoando que nossas vidas terão colorido, é perdoando que poderemos respirar com o alivio de ter deixado para trás coisas inúteis que pesam em nossos ombros.
    Forte abraço aos professores e amigos.

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  3. Caro Chassot,

    Concordo contigo: o ecumenismo não pode ficar restrito ao conceito de unidade entre as religiões. Pode-se entendê-lo como o cuidado da 'oikoumene', que em resumo, seria todo o mundo habitado.

    Um abraço,

    Garin

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  4. Caro Adão,

    bem lembrado o tema do perdão como possibilidade de reconciliação com o outro. Dessa reconciliação nasce a paz tão necessária ao relacionamento inter humano.

    Um grande abraço,

    Garin

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