domingo, 4 de março de 2012

Mas por quê? - ano 01 - nº 359

MAS POR QUÊ?
ANO 01 – Nº 359

Tenho insistido aqui, na importância da reflexão, da racionalidade estabelecida sobre todos os eventos humanos. Considero fundamental que o ser humano seja sujeito da sua trajetória, estabelecendo, com autonomia seus passos. É dessa forma que se pode sobrepor à imposição mercadológica da sociedade que constituímos.

Entretanto, há circunstâncias nas quais o questionamento pode se revelar inoportuno. São momentos nos quais não temos como estabelecer as possibilidades de futuro como no meio de uma catástrofe. Diante de uma situação limite, na qual a vida humana corre perigo, não existe possibilidade de parar no meio do tumulto e questionar sobre os por quês disso ou daquilo: é necessário agir seguindo a liderança que estiver conduzindo as ações. Suas decisões são urgentes e demandam de outras experiências similares e de treinamentos realizados para enfrentar situações desse tipo. Gastar tempo questionando lideranças em circunstâncias assim pode significar perdas de vidas preciosas. Nessas ocasiões, é fundamental arregaçar as mangas e obedecer às orientações recebidas.

Nem sempre nos damos conta de que a questão da obediência é um problema sério em determinadas circunstâncias. Se partirmos das tradições bíblicas encontraremos inúmeros textos tratando dessa questão vital para o ser humano. Uma dessas tradições diz respeito ao sacrifício de Isaque na terra de Moriá. Abraão leva um dos seus filhos, exatamente aquele de quem mais se afeiçoava, a um lugar ermo para sacrificá-lo à Javé. Amarra o menino e coloca sobre a lenha para imolá-lo (Gn 22.1-10)

Esse texto tem sido entendido, no decorrer da história, como a certificação da obediência e da fé de Abraão. Entretanto, há um motivo muito mais importante que levou o escritor bíblico a construir essa narrativa: a desobediência das pessoas em situações de risco. Trata-se de uma saga etiológica[1] para enfrentar uma dificuldade efetiva: a dificuldade de seguir orientações das lideranças quando essas são urgentes, dramáticas e necessárias. Diante de riscos iminentes as pessoas insistiam em considerações a respeito de diferentes possibilidades. Entretanto, por causa da ameaça de invasões e da guerra, com suas consequências trágicas, era necessário seguir um líder sem questioná-lo.

Por vezes, nossa rebeldia pode resultar em consequências funestas, tanto para nós mesmos, como para uma comunidade inteira. Entretanto, sempre é fundamental discernir quando isso é necessário.

Chegaram ao lugar que Deus  lhe havia designado;
ali edificou Abraão um altar, sobre ele dispôs a lenha,
amarrou Isaque, seu filho, e o deitou no altar, em cima da lenha;
e estendendo a mão, tomou o cutelo para imolar o filho. (Gn 22.9-10)


DESTAQUE DO DIA

Morte de Alcott (124 anos)

Amos Bronson Alcott (Connecticut, 29 de novembro de 1799 - 4 de março de 1888) foi um pedagogo americano. Amigo de Ralph Waldo Emerson e de Henry David Thoreau, devotou muito de sua vida à educação. Seus pais lutaram muito para sustentar a família e ele frequentemente veio em seu auxílio. Nos anos de 1840, Alcott ajudou a fundar duas cooperativas comunitárias – Brook Farm e Fruitlands. Esta última era uma comunidade vegetariana onde os membros evitavam até sapatos de couro. Alcott acreditava na preexistência da alma. Via a criança não como uma tábula rasa, mas vinda ao mundo com uma missão divina. Escreveu um manuscrito denominado Observações sobre a natureza espiritual das crianças, que era baseado na ideia de que cada criança tem uma alma que precisa ser nutrida e desenvolvida. Observava suas crianças e especulava sobre as razões do seu comportamento.[2]


[1] Narrativa para explicar comportamentos humanos.
[2] AMOR BRONSON ALCOTT. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Amos_Bronson_Alcott. Acesso em 4 mar 2012.

3 comentários:

  1. Meu caro Garin,
    sempre me pareceu que Deus foi por demais exigente com Abraão. Isto não se faz com um pai.
    Trago uma questão: tu falas no menino. Há uma polêmica milenar. Qual foi o menino? Ismael ou Isaac? Há argumento que corroboram ter sido Ismael, mas...
    Quem foi não torna menos abominável o ‘auto de fidelidade’ exigido de Abraão.
    Mas sabes o quando isto é fulcral nas disputas entre judeus e muçulmanos.
    Um bom segundo domingo quaresmal

    attico chassot

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    1. Caro Chassot,
      com relação à polêmica, os textos de que dispomos trabalham com o nome de יצחק (Izhk) (BIBLIA HEBRAICA STUTTGARTENSIA, Deutsche Bibelgesellschaft: Stuttgart, 1984, p.31.

      Outro texto considerado de tradução bastante confiável é o trabalho do Pe. João Ferreira de Almeida (A BÍBLIA SAGRADA: antigo e novo testamento. 2ed. revista e atualizada no Brasil, São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993, p. 22; ele traduz como "...Toma teu filho, teu único filho, Isaque, a quem amas, e vai-te à terra de Moriá..."; é claro que essa opção em traduzir por "único filhos" refere-se à opção de editores judeus que se consideram como únicos descendentes legítimos.

      Uma terceira tradução confiável foi realizada sob a coordenação de três biblistas conceituados, Gilberto da Silva Gorgulho, Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson, chamada Bíblia de Jerusalém, realizada a partir de textos originais e da tradução do Setenta (LXX) utilizada pelos judeus da Diáspora; o grupo também fez consultas à Vulgata e o texto hebraico foi uma tradução do texto massorético estabelecido entre os séculos VII e IX d.C.; esse texto também trabalha com tradução semelhante ao Pe. J.F. de Almeida: "...Toma teu filho, teu único, que amas, Isaac, e vai à terra de Moriá...".

      Talvez alguma investigação mais recente, a partir de fragmentos arqueológicos possa revelar outra narrativa (confesso que desconheço); contudo, é importante considerar que se trata de uma saga etiológica e, como tal, se aplica às pessoas sem distinção de nacionalidade.

      Obrigado pela oportunidade de falar um pouco do trabalho de exegese.

      Um abraço,


      Garin

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  2. Muito estimado e competente exegeta,
    primeiro obrigado pela elaborada resposta
    Todavia, hás que convir que tuas três fontes estão comprometidas, pois judaico cristãs.
    Depois de teu atencioso comentário, dediquei neste ocaso de domingo, por quase uma hora estudar o alcorão. Tenho cinco edições diferentes. Duas em árabe, que seve apenas para enriquecer minha biblioteca. Desta uma manuscrita, que se diz ser de 1680. Devo ter te mostrado. Tenho uma edição bilíngue francês/árabe e duas em português. Muito procurei. No cap 2 surata 135 há o pacto de Alah com Abraão, mas no sacrifício não encontrei nenhuma referência ao nome do menino. Há, todavia, informações preciosas que gostaria de trocar com alguém.
    Mas, sei que não vou enveredar nas terras de Moriá.
    Uma muito boa noite
    attico chassot

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