sábado, 9 de junho de 2012

O imaginário dos sapatos - ANO 02 – Nº 454


O IMAGINÁRIO DOS SAPATOS

O frio apertou e precisei comprar umas botas. Enquanto a Ana ia à Estética, saí caminhando pelas ruas geladas da cidade. Fui direto a uma loja onde sempre compro meus calçados. Dei uma olhada na vitrine, mas não vi nada que me agradasse. Queria uma bota que fosse ao mesmo tempo tênis, mas que tivesse o cano um pouco mais alto. Necessito de calçados macios por causa da articulação de um joelho que há muito não tem menisco.

Enquanto vasculhava a vitrine espichei o olho para dentro da loja. Fervilhava de pessoas escolhendo seus calçados. Fiquei um pouco sestroso, como já falei aqui, não gosto de multidões. Como o frio estivesse intenso, resolvi enfrentar esta demofobia. Enchi-me de coragem e ‘escorreguei’ para dentro da loja. Fiquei como quem não quer nada olhando as prateleiras com os mais variados modelos de tênis e sapatos de diversas marcas. De repente vi um que me interessou. Caminhei até ao fundo da loja para encontrar a Dona Inês, uma senhora que sempre me atende e me entende quando o assunto é comprar calçados, mas ela estava envolvida com duas clientes ao mesmo tempo. Disse-lhe que aguardaria ela se liberar. Procurei uma cadeira vazia e sentei-me.

Enquanto esperava a Dna. Inês, fiquei observando o mundo dos sapatos. Constatei que eu era o único representante do gênero masculino. A loja estava repleta de mulheres, garotas e menininhas. Não havia vendedor, só vendedora. As clientes chegavam com um pé de sapato tirado da prateleira e apresentavam à vendedora. Por sua vez, essa ia ao depósito e vinha com uma pilha de caixas que depositava aos pés da cliente. Só de olhar a pilha era possível perceber como brilhavam os olhos da compradora. Em particular, ao redor dos seus quarenta anos, uma mulher próxima, tinha consigo oito caixas de sapados e mais ou menos uns dez pares espalhados ao redor dos seus pés.

Estas cenas me fizeram pensar sobre o imaginário que os sapatos provocam, especialmente no pensamento da mulher. É impossível não relacionar com a história da Gata Borralheira. A maneira como elas se olhavam no espelho, permitia perceber como imaginavam a transformação que aquele par de sapatos iria provocar em sua beleza: uma voltinha para a direita, outra para esquerda, de frente, levantando o salto, levantando o bico, enfim, de todos os perfis possíveis. Não foi possível observar até a conclusão da compra porque a Dna. Inês chegou para me atender, mas era possível inferir que, concluída a aquisição, a mulher levaria para sua casa, não apenas um par de calçados, mas a “coroa” que a transformaria em princesa num calçar de sapatos.

Essa imaginação é legítima e linda. Dessa forma construímos nossa identidade que contempla projetos, sonhos e imaginações sobre nós mesmos. Pena que o mercado abuse dessa perspectiva para explorar nosso endividamento.

Votos de um bom sábado!

3 comentários:

  1. Meu caro Garin,
    não fosse a preciosidade da narrativa que descreve com propriedade o mundo feminino de uma loja de sapatos, nesta gélida manhã de sábado, com temperaturas negativas pelo segundo dia consecutivo em Porto Alegre, tua crônica valeria só pela menção da palavra 'sestroso' que há muito não ouvia.
    Só não sei se compraste as botas...da Dona Inês.
    Curta o frio que, como se diz lá para as bandas do Jacuí, está de renguiá cusco,
    attico chassot

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    Respostas
    1. Amigo Chassot,
      pois às vezes é pela andança que se faz o caminho...
      Obrigado pelo comentário.

      Um abraço,

      Garin

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    2. Amigo Chassot,
      pois às vezes é pela andança que se faz o caminho...
      Obrigado pelo comentário.

      Um abraço,

      Garin

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